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'%llííll;/<«íi,lllilijf^,llll.lUÍ^,l,íl,l,ó^,l,ll,,..<«^.l,:
Presented to the
USRARYofthe
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
i£<^
GEORGICAS
PORTUGUEZAS.
IMPRESSAS POR A. BOBEE , IMPRESSOR DOS ANNAES
DAS SCIENCIAS, DAS ARTES E DAS LETRAS.
GEORGICAS
PORTUGUEZAS,
POR
LUIZ DA €ILVA MOZINHO DE ALBUQUERQUE^
DEDICADAS
A SUA MDLHER
D. ATÍNA MASCARENHAS DE ATAIDTÍ.
Fortimatus et ille , Deo» qui novit ^Cj
Virg-G.
PARIS,
Vk OFFICINA DE BOBEE , RUA DA TABLETTERIE ^Tí" Q,
— DUPLICAI
1820.
PROLOGO DOS EDITORES.
Os Redactores dos A.nnaes das Scien-
cias , das Artes e das Letras rece-
berão de Portugal o Poema intitulado
GEORGicAs PORTUGUEZAs, com as Notas,
que o a companha o , o qual sen Autor
lhes remettêra, deixando ao entender
delles a sua publicação, se a tivessem
por conveniente. Os Redactores jul-
garão não poder melhor corresponder á
franqueza , modéstia e ingenuidade do
Autor^ do que publicando por meio
do prelo o ditto Poema ; no que lhes
parece fazerem á Nação hum prezente p
d agricultura hum serviço, e ao Autor
huma justiça ; e esperâo que o publico
portuguez , confirmando a opinião dos
Editores, ache na publicação desta
Obra mais huma prova do muito que
elles desejão animar, e fazer conhecer
as producções originaes portuguezas ^
e concorrer, quanto n elles está, para
a gloria e utilidade das Sciencias e da
Pátria.
ADVERTÊNCIA. DO AUTOR,
O MOTIVO, que me fez julgar conveniente
juntar ao texto as Notas, que dou com elle,
foi o lembrar-me , que ellas poderão servir
para acclarar alguns termos technicos, e algu-
mas passagens , que não estiverem ao alcance
de todo o leitor , e igualmente para dar a
razão de algumas liberdades, que no texto
tomei. Nas Notas botânicas, copiei, quanto
me foi possivel, o nosso illustre compatriota
Félix Avellar Brotero, nas suas Noções ele-
mentares d'esta sciencia.
GEORGICAS
PORTUGUEZAS.
CANTO I.
jf\.GRESTE accento, oh doce Nize, escuta,
Nize meu só prazer, amante cara ,
Futura companheira de meus dias;
Ouve os meus versos , era que desde esta hora
Começo a celebrar dos lavradores
Quaes sejão os prazeres e os cuidados ;
Quaes os trabalhos do que arando a terra
As sementes lhe lança ; qual das viuhas
O trato seja ; dos diversos gados
Quantas as producções , e que desvelos
Careção a final ter os pastores.
Í2 GEORGICAS.
Musa , que outr' ora nas Latinas selvas ,
Do vate Mantuano pelos lábios ,
Ruraes preceitos em sublimes versos
Ao lavrador Itálico ensinaste,
Hoje em meu canto hum fogo igual derraiiiav
Que outrem pulsando a majestosa lyra
Do Meonio cantor, de Smyrna os votos,
O incenso appeteça e seus altares ;
Rasgando com hum voo impetuoso
A barreira dos séculos , os nomes
Dos heroes , que celebra , pronuncie
Ás derradeiras gerações remotas ;
Ferindo as cordas da sublime lyra ,
Troe nos ares qual de Jove a dextra ,
Trace horrorosos bellicos estragos ;
E entre ruínas e montões de mortos
Alce tropheos de sangue salpicados ;
Que , ao som accorde da campestre avena ,
Eu canto a vida , a singeleza canto
Gratas aos corações e aos Deoses gratas.
CANTO T.
Canto , oh ]Nize , os pacificos asylos
Do activo colono e seus cuidados.
Vós, agrestes Deidades bemfazejas,
Sacras Dr3'ades , Deosas dos verdores ,
Que os troncos protegeis e os altos bosques
E vós oh frescas Naiades, que as urnas
Inclinando benéficas , aos campos
Mandais de vossas aguas a frescura;
Vós , capripedes Faunos e Baccharites ,
Em torno a mim girai, e os meus trabalhos
Anime o vosso influxo poderoso.
Ja de llhea e Saturno a áurea idade
Entre os mortaes seus dotes não espalha ;
Já não crescem nas várzeas não aradas
As abundantes messes, nem das rochas
O leite e o vinho em borbotões rebentão ;
A planta a florescer já não convida
Sempre sereno e puro hum ceo benigno ;
Do hirsuto inverno regelado sopro ,
4 GEORGICAS.
O bafo abrasador do ardente estio
Alternativamente ao homem roubão
De hum clima sempre morno o doce encanto.
Já do Padre Lenêo as férteis cepas
3Xão ornão espontâneas as collinas ,
Nem (Je Minerva a arvore prospera
Sem trato e gem cultura pelos campos.
Áspero tojo , c'o rasteiro abrolho ,
O carrasco abundante em fructo amargo ^
A cicuta homicida , a silva , o feto ,
Co junco agudo e mil ingratas plantas
Suífocão tenros germes , que a fraqueza ,
Bem como a utilidade, em dote houverãq.
\ inde pois , oh colonos , e deixando
O chaonio aspro fructo , e do Acheloiq
As frigidas torrentes , os trabalhos
Da sublime Thesmophoros, de Evous ,
Pe Minerva e de Pan seguipdo attentos ^
Colher os fructos , recompensa grata
Pos suores da indiístria activa e nobre.
CANTO I. 5
Diversas regiões , diversos climas
Compõem a habitação da prole humana :
Huns eminente vêm a Cynosura (i)
De neves abundante , congeladas
Alli as aguas , negão as ribeiras
Bebida aos gados , nega o sueco ás plantas,
Carregada de gelo a steril terra;
Alli os astros em continuos gyrós ^
Jamais as ondas buscão do salgado ; §
Por seis mezes o sol os alumia ,
E seis mezes occulto , espessa noute ,
Medonhas trevas dissipar não ousa.
Tem huma sorte igual os que domina
O austral Xyphias (2) no hemisplierio opposto;
K huns e n outros jamais do sol os raios
Acabão de fundir os altos serros
De neve tão antiga como a Terra.
Em tanto , os que entre o Cancro furibundo
E o signo a Pan no Egypto consagrado (3)
Morada tem , de hum clima sempre ardente
6 GEORGICAS.
O rigor expVímentão ; duas vezes
Em o gyro annual Phebo os visita ,
Já quando de Jason a preza occupa ,
E já quando alumia a sacra Themis. (4)
Venturosas , oh vós temp' radas zonas ,
Que a tórrida cingis , onde hum ar doce
Entretém a verdura pelos prados 5
Aonde if^o prosperão feras hravas ,
Tigres • TJrSos , Leões, duros imigos
Dos tristes animais menos forçosos :
A vós o Ceo em gyro certo envia
Verão , Outono , Inverno e Primavera ;
Aos vossos habitantes me dirijo ;
Ceres me anima , e seus trabalhos canto.
Colono industrioso , a quem os Numes
De teu útil suor em recompensa
Olhão propicios , antes que a lavoura
Comeces em teus campos , busca attento
Qual -d^esses campos seja a natureza.
CANTO I. 7
Áquem repousa o húmus nutritivo
Sobre a compacta greda , alem a greda
Cobre Imm calcário assento , alem a steril
E solta arêa revestindo os campos ,
A apparencia lhes dá da praia fria;
Estes cobrem volcanicos productos ,
Aquelles producçÔes do mar salgado ,
Que parecem mostrar que em prisca idade
Estendera seu sceptro alli Neptuno.
Largas várzeas de pastos abundantes
São a partilha de hum , outro c'o ferro
Basga hum árido solo pedregoso. \
Alli desponta pela terra a grama
Amiga da frescura, alem floresce
A esteva, a giesta , o tojo hirsuto;
N' outra parte o trovisco, que na terra
Lança as raizes a buscar frescura ;
Do Líbano no cume o cedro cresce
E qual iman , volvendo ao norte a flecha , (5)
Alonga as braças, ameaçando as ondas;
8 GEORGIGAS.
Da Suécia nos montes o pinheiro
Ostenta o alto tronco e verde copa.
Da terra nas entranhas , n'huma parte
Se forma o ferro duro , n outra o fulvo
Ouro luzente e a prata preciosa.
Assim da variada natureza
A incalculável força creadora
Deo a cada palz suas riquezas,
£ quiz que os homens , mutuamente unidos
Pelos laços do int'resse , em mutuas trocas
A mas5a dos thqsouros repartissem.
Se variada he pois a natureza
Nas "producçôes dos campos , e em seu fundo
Se n'huns abundão aguas, que os conservão
J^rios e húmidos sempre, e noutros falta
A frescura int'rior, e muitas vezes
Implorão chuvas e engrossadas névoas ,
Que a devorante sede lhes saciem :
Kão deve ser igual por toda a parte
CANTO I. 9
Das producções a escolha e a cultura.
Cada terreno exige seus trabalhos ;
Kem igualmente deve ser tratado
O fértil valle , ou a montanha steril.
Se o assento seguro , onde repousa
A primeira camada do terreno ,
He húmido e compacto , se o seu nivel ,
Infrior ao dos rios e correntes ,
A entrada lhes permitte de tal forma ,
Qué alli no inverno vem na dantes peixes
E grasna a verde rã na primavera ;
Ou se dos montes , que de em torno o cercão ,
Se despenhão alli as turvas aguas
Das Hyades chorosas , (6) que da frente
Do cornigero Tauro a terra inundão
Na chuvosa estação ; se alli verdejão
Os altos juncos, e c'o gume agudo
Se devisa o carriço entre espadanas;
Impossivel será que a Ipura Ceres
IO GEORGICAS.
As espigas alli á fouce oíTreça
Sem hum trabalho grande ; mas se attento ,
Se perito cultor com fundas valias
Corta o terreno, e deposita n'ellas
A agua excessiva ; se com forte muro
De terra dura e vigorosas plantas ,
Constrange o rio a respeitar seu campo;
Assim co'a inundação gordo o terreno
Será mais que algum outro productivo.
NÃo de outra sorte o Hollandez constante ,
Combatendo os furores de Neptuno ,
Lhe rouba hum solo , que infrior ás vagas ,
He da industria feliz fértil conquista.
Se oíTrece hum campo tal hum grande fundo,
Das charruas a entrada não moderes ;
Nem tampouco em terreno aonde a argilla
Cobre hum solo ligeiro e arenoso ;
Dobra o trabalho , e co' as lavouras forma
A quaesquer producções útil mistura :
CANTO I. II
Menos profundos regos porem traça
No terreno ligeiro e pouco fértil :
E apenas as sementes cubra a terra ,
Se acaso constitue a arêa o campo,
^utão recêa que o ardor de Phebo ,
Quando do Cancro os raios seus dardeja ,
Em vapores subtiz a si chamando
Da terra os suecos , a seccura inteira
O terreno reduza, e d' esta sorte
Faça murcha cahir a esperança tua.
Examina , pesquiza attentamentc
Quaes são as producções , que o solo vesleut
Abandonado a si ; contempla attento
Quaes são do grão da terra os elementos,
Qual he a exposição , de que maneira
A agua a lava , e de que parte os ventos
A costumão bater com maior força :
Dos antigos colonos cuidadoso
As practicas estuda, e os dois extremos
ií GEÒRGÍCAà.
No teu methodo evita; o povo rude,
De usos velhos escravo , ás cegas marcha
No caminho trilhado , e ás vezes erra ;
Porém erra também o que insultando
O rumo antigo , na vereda opposta
Temerário se arroja : entre huns e outros
Convém só caminhar , a toda a partfr
A todo o instante dirigindo os olhos.
Porem já toca o filho de latoná
A- celeste Balança : (7) a calma ardente
Começa a applacar-se : sobre as azas
Dós favonios subtiz grata frescura
Os campos reanima : o orbe inteiro
Igual a negra noute tem ao dia.
Já vapores aerios condensados
Em grossas gottas tem descido á terra,
Que anciosa no seio ardente os sorve ;
Cuidadoso colono os bois pesados
Prende á forte charrua e ara os campos.
CANTO I. i3
Carreguemos, oh Nize, dos novilhos
Co' jugo a frente : de teu lado eu vôo ,
O trabalho me chama. He este o tempo
De revolver co' arado â dura terra ,
De expôr-lhe bem rasgado o fértil seio
A receber o influxo fecundante
Da subtil atmosphera : he este o tempo
Em que o feno que os largos campos cobre.
Sob as leivas submerso apodrecendo,
Prepare suecos , e de força ás terras.
Bem depressa entre nuvens procellosa»
O fogoso Orião (8) co' braço ingente.
Conduzirá o horror das tempestades ;
Em o terreno pobre he pois forçoso
Que elle encontre nascido o tenro nabo ,■
O amargo tremoço , a fusiforme (9)
Raiz do rabão , que na primavera
Novamente voltados co'a charrua ,
Hão de formar o adubo precioso ,
a
1 4 GÉORGICÂS.
Decompostos no seio que os criara.
He tempo , ah corre , de escolhidos trigos
Enche o semeador : ultimo corte
Ao terreno vou dar, já preparado
A receber o grão : prendão-se ás grades
Ligeiras egúas , cubrão-se as sementes
Dos senteios, dos trigos, dâs cevadas,
Da leve avéá, e em direitos regos
Compassada se lance a grossa fava
E a redonda ervilha : aproveitemos
O tempo claro , em que o terreno leve
Ijíão acabrunha o grão, ou o germe esmagrt,
Ah .' longe o ócio , longe a vil preguiça ,
iPois que o homem nasceo para o trabalho i
E que doce trabalho ! ah ! de meus olhos
A imagem fuja de infelizes horas
Consumidas em triste ociosidade.
Com que prazer, oh Nize, espero hum díd^
CANTO I. i5
Qiiando cansado eu volte da lavoura ,
Ver-te correr a mim, « cu aos tens braços
Satisfeito voar I do nosso albergue
Fugirão a tristeza, o negro enjoo
Filho da ociosidade , e pai dos crimes ;
Aos filhos inda tenros ensinando
A aproveitar as forças infantinas.
Cora ellas o trabalho ajudaremos.
Em quanto o lavrador a esteva empunha ,
Com a vara o filhinho os bois lhe rege ,
Outro a loura semente lhe ministra
Quando o campo scíriêa , outro em liiil gyros
Passa e repassa no terreno a grade.
Oh ! mil vezes feliz todo o que pode
A singelos prazeres dedicar-se I
Feliz mil vezes o que aos pés calcando
Huma van ambição, e os seus prestigios,
Ri dos balanços de que os grandes tremem ;
Que os revezes não teme da fortuna ,•
lô GEORGICAS.
Que sempre útil aos outros e a si mesmo ,
Conhece e goza a verdadeira gloria í
Para o mortal feliz que assim cultiva
No regaço da paz , da terra o seio ,
Novamente a traçar ruraes preceitos
Cora o amparo teu , Musa , começo,
HuMA longa exp'riencia reconhece
Quanto ao cultor nocivo he o desejo
De sempre recolher no mesmo campo
O precioso grão da flava Ceres.
Tu mesmo que retalhas co'a charrua
O mais fecundo chão , se não desejas
Virar em pouco tempo hum solo exhausto.
Alterna as producções nas lavras tuas.
O terreno, onde hum anno a fouce curva
Do trigo tem prostrado a espiga loura.
Orne no anno seguinte , se elle he fresco
E de agua^bundante, verde milho;
Se leve e golto , estenda pela terra
CANTO r. 17
Seus tuberosos pomos ( i o) a batata ;
Alli o nabo cresça , ou cresção plantas
A nutrição dos gados necessárias.
O cultor Galabrez da sula os fenos
Tira da terra no anno em que a descansa ,
E co' ultimo corte aduba o campo ,
Cujo seio a charrua despedaça.
Muitos vigorão hum terreno exhausto
Tendo-o em prado por tempos convertido ,
Ou lhe lanção a óptima luzerna
De profunda raiz , ou o alto trevo.
Ou o onobrychis próprio á terra ingrata, (11)
Oh de que admiração , oh de que espanto
Enche a sabia natura o que as leis suas
Profundo estuda , e co' a razão consulta !
Desde os gyros marcados dos planetas ,
Desde a gravitação de ingentes massas ,
Te' ao despojo da mesquinha planta,
Até á morte do mais vil insecto ,
i8 GEORGICAS.
Tudo tende ao seu íim , nada he perdido.
Na terra nasce a planta , da atmosphera,
E do seio que a nutre os suecos tira ;
Mas cahindo a final no mesmo seio
Fecundo , que a criou , com abundância
Llie restitue os dons que lhe roubara ,
E seu despojo transformado em húmus
Abundante , a vigora e lhe dá suecos
Que nutrem , em vez de huma , varias plantas.
Assim do bosque antigo , que prostrara
A mão severa do voraz Saturno ,
As reliquias descendo aos fundos valles,
Com o lapso do tempo os tomão ferieis;
Assim as aguas , que no iroso inverno
Descendo do alto monte , a terra alagão ,
Com sigo mortos ramos arrastando ,
Baixão aos campos e hum nateiro fértil
Sobre as exhaustas lavras depositão.
Não de outra sorte o Nilo , que engrossarji
CAINTO I,
Na Ethiopia a chuvosa primavera,
Por sete vezes com horrendo estrondo
Cahindo despenhado dos rochedos
Entra no Egypto , inunda socegado
Os campos, e dos Íncolas ditosos
Forma todo o prazer, toda a abundância.
Mas nem em toda a parte a natureza
Quiz ella mesma ser quem adubasse.
Quem viesse trazer o sueco á terra ;
Contente de traçar-nos o caminho,
O trilhá-lo deixou á industria nossa.
Assim o agricultor attcnto busca
Povoar o terreno que prepara,
De succulentas e ramosas plantas,
Que possa submergir co' forte arado ,
Quando cobertas de viçosas flores
Com a volta da fresca primavera ,
Lhe podem fornecer de fértil húmus
A maior copia j aos pds das rezes suas
'9
90 GEORGICAS.
Estendendo o palhiço , ou tenro mato ,
Lança-os em covas , onde fermentando ,
Por tempos em adubo se convertem.
Sàa, trabalha; que a fadiga, o trato
São partilha do agrícola, e contente
Nas lavras em que assiduo se esmerara
Vê a final crescer fecunda messe.
Nem desprezar eu devo no meu canto
Do colono infeliz de pobres terras
A industria que lhe faz tornar em cinzas
A esteva , a giesta , o baixo feto ,
E dar assim vigor ao seu terreno.
Porem nem só das plantas os despojos ,
Nem só dos animaes o quente estrume,
Productivos os campos tornar podem.
São diversos os solos como os climas.
Sobre a argilla tenaz , que não permitte
Das raizes a entrada , a solta arêa
Grande effeito produz ; bem como a argilla
CANTO I. 21
Ligando as partes de arenosa terr*.
A força de lavouras repetidas
Tornão-se a cré e o tufo productivos ,
E no campo onde seixos importunos
Da cultura os trabalhos embaração
O lavrador se applica a separá-los.
Este calcina em fornos pelo campo
O tenaz barro , aquelie com pequenas
Valias enxuga hum brejo, em quanto est'outro.
Fazendo rebentar com fogo as peijhas ,
Vai hum caminho abrir ás frescas aguas,
Que depois murmurando em canaes vários,
A refrescar conduz as plantas suas.
Mas tu agora, oh firme scrutadora
Dos thesouros da fértil natureza ,
Musa, ao Agricultor, da marga (12) o uso
Canta e ensina. Aquella que se esfolha ,
Que absorve a agua e n'ella se dissolve
He própria para o fraco estéril solo ,
122 GEORGICAS.
Que por contínuos fructos esgotado
Carece de conforto e de socorros;
Aquella em que a alumina he dominante.
Com vantajem se applica á nimiamente,
Ou areenta, ou desligada terra j
A calcaria porem leva a abundância
Ao terreno tenaz, ao encharcado,
Bem como áquelle em que domina a aréa
.Yitriíicavel , magra, solta e estéril.
Quando n' hum solo ingrato o cultor sábio
Tem descoberto a marga, nova esp'rança
Luz aos seus olhos ; elle a arranca a ferro
Do seio que a contêm , em vários montes
Aos rigores a expõe do frio inverno ,
E quando a primavera vera cobrindo
De flores as campinas , rijo malho
Desfaz a pedra co' as geadas branda ,
E em dose moderada pelo campo
O fecundante pó então se espalha ,
CANTO i. a
Ènteira-se á ciiarrua, e quinze dias
Depois , ara de novo a relha o solo ;
Sobre tudo se de aguas abundante ,
liançou o ceo chuveiros sobre a terra,
Taes são , oh Nize cara , os que no campo
í)etem o lavrador empregos vários ;
Porem quando das nuvens procellosas
Cahe a cruel saraiva, a chuva grossa ,
Quando zunindo os ventos indomados
Pelos bosques os ramos despedação ,
He no simples abrigo das cabanas
Que se occupa o cultor ; hum entrelaça
O brando vime, e d'elle os cestos tece,
Outro afia o machado , e falca os troncos
Seccos e fortes; este faz reparos
Na pesada charrua , aquelle aprompta
Cangas e jugos , em quanto outro fende
Com a serra mordaz madeira era pranchai»
^4 GEORGICAS.
Houve tempo em que errantes entjr'às sei Vás,
Dos fructos que spontanea a terra dava ,
Os selvagens humanos se nutrião.
Oh bem haja o mortal que ousou primeiro
Forçar o touro a submetter-se ao jugol
Oh bem haja o primeiro , que dobrando
A força de calor o duro ferro
Fez aos humanos conhecer seu tiso í
Desde o primeiro simples instrumento
Destinado a rasgar da terra o seio ,
Seu invento nascer vio cada idade,
E a arte, mais e mais ganhando luzes,
Melhorou pouco a pouco o rude arado
Do primeiro cultor; já adaptando
A relha ao ligneo primitivo dente ,
Já a sega cortante á aguda relha ,
Já a ambas unindo a rija aiveca ;
Te que varias espécies de charruas.
Próprias a varias terras , vários usos,
A escolha do cultor se apresentarão.
CANTO í. 25
Descrever não intento, oh Nize, agdra
As proporções , a forma , ou a grandeza
Dos úteis instrumentos aratorios;
Direi só quaes convém ás varias terras , *
Conforme o vario trato com que folgão^
Terreno asp'ro e duro , lie bem se rasgue
Profundamente, e n'elle o cultor hábil
A huma charrua forte prende o tiro j
O contrario practica em leve solo ,
Em hum chão areento , e no em que teme
Chamar á superfície estéril terra.
De forças económico o artista
A charrua pesada une mais segas
Para abrirem caminho á larga relha ;
Ou do dente também as faces burne ,
E para elle escolhe o rijo tronco
Da pereira , abrunheiro , ou de que pendeirt
As sanguíneas cerejas, preferindo
O criado em hum sitio secco e alto ,
5
26 GEORGICAS.
Pedregoso 6 exposto ao sol nascente :
O carvalho frondoso, e o que envolve
Porosa casca , tronco da sobreira
Naá mãos do constructor não são inutèi^,
Nem inda o rijo páo de antigos freixos.
De hum açb puro de Vulcano o aluranò
Sobre a rija bigorna a relha forma ,
Alli forja também segas cortantes.
Humas vezes á relha, quando a aiveca
Passa dé hum lado ao outro, a forma imprime
Da mortifera lança de Mavorte;
Outras para a charrua, que constante
A leiva volve sempre ao mesmo lado ,
Só d'esse á relha forma gume agudo.
Destinada a lançar no aberto rego
Do novo rego a terra , a enterrar n' ellc
As arrancadas semi-murchas plantas,
Em forma curva deve ser a aiveca,
E na parte ext'rior polida e liza.
CANTO I. 27
Qual empunhando o leme o nauta ousado
Na derrota ao navio fita a proa.
Assim o lavrador , em quanto canta
Após os tardos bois , co' a curta esteva
A charrua dirige ; a braça curva
D'hum lenho forte a construí-la he própria.
O apego he da charrua exacto guia ,
D' elle depende o fundo em que entra o dente,
D' elle a ordem dos sulcos e a grandeza ;
Busca, oh artista, o tronco hum tanto curvQ
Da faia, freixo, ou tilia e d' elle o forma;
Leves madeiras e delgados ferros ,
Combinados e unidos com destreza
Devem compor os círculos, que gyrao
Levemente no eixo ; assim ao tira
O enfado evitarás , de mór esforço.
Para. romper de novo antigos prado»,
A charrua sem dente he vantajosa,
£ a fim de dividir , quebrar a terra
28 GEORGICAS.
São as pesadas grades necessárias;
Com as ligeiras cobrem-se as sementes ■
De fortes carros , de carretas leves
Ha mister a final toda a cultura.
Até agora cantei da terra o trato ,
As lavouras tendentes a apromptá-la
Aos benignos influxos da atmosphera;
Mostrei a arte de adubar os campos,
A fim de lhes prestar fecundos suecos :
Trato agora dos regos que a charrua
Deve dar ao terreno, antes que a elle
A semente se lance; agora digo
O tempo , o modo d' espalhar nas terras
Os preciosos grãos, úteis legumes,
As raizes e plantas nutrientes.
Tu Deosa do cultor, oh flava Ceres,
Tu me reforça a voz , e accende a mente !
Antes de dar qualquer semente ao campo,
He preciso primeiro (jue lavrada
CANTO I, 39
Seja este muitas vezes : não recêes
O trabalho , oh cultor ; que sem trabalho
Não produzqm as lavras abundância.
Cruze hum rego outro rego , com seus dentes
Quebre e divida a grade a cogulada
Terra junta em torrões : de novo passe
No terreno a charrua , e então nelle ,
Segundo a qualidade e a natureza,
A semente se espalhe productiva.
•
Se em terreno fecundo , fofo e leve
Pertendes semear branda batata ,
Em varias ])artes a raiz divide^
Cada huma das quaes contenha hum germe,
E ao longo dos regos da charrua
A iguaes espaços cuidadoso a lança,
Distribuindo em torno hum próprio adubc^
Se faz o louro milho a esp' rança tua ,
Assaz fundo co' a grade o grão enterra.
Traçando logo no terreno lizo
4 3*
3o GEORGICAS.
As regadeiras , que no ardente estio
Alli devem guiar as frescas aguas.
De hum modo semelhante o feijão tenro,
O grão, a ervilha no terreno lança ,
E no outono o tremoço amargo enterra ,
Bem como a fava em alinhados sulcos.
Mas se o linho te occupa , tenra planta ,
Que toma formas mil nas mãos da arte ,
Ou seja para ornato e cobertura,
Ou seja para as cordas vigorosas.
Trabalha mais que nunca o teu terreno ,
Mais que nunca o aduba, e tão somente
Hum tal cuidado emprega em solo fresco,
Bom, solto e leve, e de aguas não escasso.
Para. formar os permanentes prados
Da luzerna, do trevo e de outras plantas,
Erro p'rigoso fora ao fértil solo
Roubar lavouras e poupar trabalhos.
Venturoso o colono , que habitando
à
CANTO I. 5i
Pertil paiz, de braços abundante,
Após os gyros da pesada grade
A malho faz estorroar a terra !
A neve , que durante a estação dura ,
Força co* peso a encurvar os ramos
Das arvores e arbustos , he temível
Para o milho inda tenro , e damnifica
O nascido feijão; esse o motivo
Por que para os lançar ao solo aguarda
Da primavera a volta o cultor hábil.
Nascidas estas plantas, duas vezes
Gozão da sacha o proveitoso trato ,
Já para destruir nocivas plantas ,
Já para as desbastar, chegar-lhes terra.
Ao menos huma vez igual trabalho
Faz praticar em derredor da ervilha ,
Do amarello grão , da parda fava :
E da batata as hasteas productivas
Por varias vezes sob a terra estende.
32 GEORGICAS.
Porem tu , dos mortaes ricco thesouro ,
Tu precioso dom" da flava Ceres,
Agora sê objecto do meu canto.
Ouvi-me, oh lavradores, escutai-me:
He tempo de lançar o trigo aos campos.
Jamais produzir pode a má semente
Ao cultor hum nutrido e limpo fructo ;
Jamais o trigo secco , o enrugado ,
Ou roído, gr^ado, ou com mistura
D' estranhos grãos, produz formosas messes í
O primeiro em si mesmo traz a origem
Da frí^queza e dos vicíos ; o outro abriga
Inimigos fataes, que a suíTocá-lo
Nos regos hão de vir. Hábil colono ,
Passa no crivo , na joeira passa
O trigo que ao terreno teu confias.
Cultores ha , que ao seu int'resse attentos,
Em barreia alcalina os grãos mergulhão ,
CANTO L 33
Afim de aniquilar os roedores
E nocivos insectos que os devorão.
Mas ainda a pezar do mor desvelo,
No mesmo solo o trigo degenera ,
Mais de três vezes sendo semeado :
Deve pois o cultor de tempo em tempo
Renovar as sementes , e buscá-las
Em análoga terra , e verá ledo
Crescerem no seu campo altivas messes
Coroadas de espigas preciosas;
Sobre tudo se o grão em tal mudança
Se acha lançado em mais fecundo solo.
Depois que revolvida foi a terra
Com lavouras cruzadas , que o seu seio ,
Passado já o caloroso estio ,
Com abundância refrescado ha sido
Pelas primeiras aguas, quando os germrs,
Que no campo cahirão , por si mesmos
ílompem , se desenvolvem ; quando os bosques
34 GEORGICAS.
Despem as folhas, que o verão crestara,
E Arachne pela terra as tramas urde
Estendendo no rego o argênteo fio :
Quadra em que o sol de nós desvia os raios ,
E vai da Libra ao furibundo Scorpio : (i3)
Cautella então , cultores, chega o tempo
Do momento espiar da sementeira.
N' HTiM dia claro e secco , e quando a tçrra
Bem movida e quebrada, húmida esteja
Em proporção tão justa , que nem voe
^m pó subtil , nem c'o trabalho , unida
E compacta se torne, avançar deve
Dextro semeador , e com mão certa
Espalhar pelas lavras a semente.
He após os seus passos, que trotando ^
Conduzindo traz si ligeira grade,
Ocyroe (i4) cobre os grãos co'a terra solta,
pitoso o lavrador se no seu campo
|{|p fica bum só torrão que p germe esmague.
CANTO li 35
À estação, o tempo, a natureza
Do solo que se aroii, e a experiência
De versados cultores tão somente
Devem determinar a quantidade
Dos grãos , que á mão convém lançar na terra*
La onde as frias aguas demoradas
Fazem apodrecer ho húmido inverno
Os tenros germes, as sementes cobre,
Em vez da grade , huma charrua própria ,
Que , levantando a terra a hum lado e ao outro,
Deixa no meio hum fosso aberto ás aguas ,
E o grão desponta em alternadas cintas.
He assim que os cultores , implorando
A clemência dos ceos, a sua esperança
No seio de Cybele depositão.
A terra desce o inverno, as grossas chuvas,
Os rijos furacões , a branca neve
Molhão , batem , alvejão pelo campo.
36 GEORGTCAS.
Os mortos ramos com torcidos braços-
As espinhosas balsas sempre verdes
Interrompem a alvura das campinas.
Que branquejão co' crespo caramelo^
Fumão ao longe as rústicas choupanas,
Aonde o lavrador sentado ao fogo
Os membros seus requenta agasalhado ;
Em quanto o caçador pelas encostas
O veado ligeiro , a cerva esquiva ,
O javali cerdoso acerta , e mata;
Ou c' os galgos persegue na carreira
Timída lebre, que ligeira salta.
Este espera nas turvas alagôas
O pato grasnador, a altiva garça;
Aquelle a saborosa gallinhola.
Assim de bellas Nymphas rodeada ,
Cingido o seio de grosseiras pelles,
Com a aljava no hombro, o arco em punlio ,
A soberba Diana lá da Caria
Nos altos montes e brenhosos bosques
CANTO I. 37
Acossa, vence, e em terra as feras lança.
Em tanto a natureza desenvolve
Os preciosos germes ; já desponlão
As tenras folhas, e de hum verde alegre
Esmaltão as campinas; os cultores
Vem cheios de prazer correr os campos ,
Rogando ao ceo que ajude os seus trabalhos ,
E os recompense co' a abundante espiga.
Chega a fresca, a viçosa primavera ,
Reverdescem os bosques , brotão flores ,
Os fructos promettendo ; o sol derrete
As crystalllnas neves , que fundidas
Vem engrossar as rápidas ribeiras;
As implumadas aves amorosas
D' entre a nova verdura alegres cantão;
Zephyro beija as rosas , e convida
Os Satyros saltjmtcs e os galhudos
Caprinos Faunos a seguir as Nymphas
4
38 GEORGICÁS.
Por entre os verdes troncos. Vem , oh Níze ,
Juntos os ledos campos percorrendo ,
Das novas flores, que dos ramos pendem.
Odorantes capellas teceremos ;
Tem do lindo lilaz , da purpurina
Fragrante rosa e cândida açucena
A frente coroar. Vinde, oh prazeres,
Companheiros fieis da tenra Flora,
Suaves risos, alegrai os campos.
As rédeas sacudindo ás niveas pombas,
Vénus no carro de ouro desce á terra.
Vem após ella co' as douradas tranças
Nos coUos de alabastro ao vento soltas ,
Tecendo as Graças mil gentiz choreas,
E em leves gyros voltejando Amores.
Prazer doce os trabalhos acompanha
Bo agricola fehz , e de continuo
Amorosas canções Echo repete#
Áquem trigo tremcz cantando lança
CATsTO I. 39
O lavrador á terra , e d' esta sorte
Assegura prudente o seu sustento;
Cresce aqui a cevada , que nascera
íío precedente outono ; alli á terra
He lançada a que he própria á primavera.
Milho , feijão de espécies variadas
Alem recebe o solo , grãos , lentilhas.
Aquém, curvando ao jugo a larga frente.
Os novilhos co' as leivas vão cobrindo
O verde ornato dos fecundos campos ;
E entre os viçosos trigos já nascidos
Em bandos as alegres camponezas,
Com festivaes accentos o ar ferindo ,
Cuidadosas separão as más plantas,
£ lhes arrancão a raiz nociva.
Que segredos, oh Niza, que bellezas
Das flores a estação nos apresenta!
Segunda creação do vasto mundo ,
Novos entes o ser nella recebem ,
4a GEORGICAS.
Seja entre os animaes, seja entre as plantas;
De Colchos manda o signo mil amores
Ileinar nos ares , voltejar na terra ,
E os humanos alegra , promettendo
O corno precioso de Amalthea.
Meteoros eléctricos variãò
O estado da atmosphera , e accelerão
Ora , e ora retardão a carreira
Dos suecos nas entranhas já das plantas ^
E já dos animaes^ de ApoUo o raio
Ora as nuvens encobrem, e ora brilha;
Ora soão trovões sobre as montanhas;
Pra desce huma chuva fecundante ,
perramando a frescura pelos valles.
Mas já na quarta divisão celeste
Aonde curva o Cancro ingentes braçoç,
ílntra o luminar do Orbe ; o quente estio
jSuccede á temperada primavera.
CANTO I. /n
Já o esta me (i5) ao pistillo fecundado
Deixa o fiucto formar, e cahe na terra,
Com a coroUa em cores variada.
Menos tenras das arvores as folhas
Oppõem de Phebo aos chammej antes raios
Verde barreira , que romper não ousão.
De torrentes já menos abundantes
Sobre o junco e caniço as frescas Naides
De espadana cVoadas sobre as urnas
Exhaustas se adormecem ; de entre os matos
Sahe o sardão malhado , a escamosa
Cobra , vibrando ao sol sanguineo dardo.
Nos tectos já de Progne pia o filho ;
Philomt^la infeliz põe termo ao canto ,
Que ha pouco os frescos bosques deleitava ;
Já a cor da- esmeralda cede á do ouro.
Ja as louras espigas estremecem
Do vento sacudidas. Oh momentos
De prazer para o campo ! Os lavradores
Erguem as mãos ao Ceo , ao Ceo supplicão
4*
42 GEORGICAS.
Continue a olhá-los com piedade
Té ao ultimo instante das colheitas.
MosTRA-SE na extensão dos férteis campos
Não só a esp' rança do cultor, mas nelles
Se vê de huma nação todo o thesouro.
Afasta, oh Ceo piedoso, o hórrido estrago
Da saraiva cruel , que em hum momento,
Companheira do raio furibundo ,
Extingue todo p bem com tanto esforço
E tanto suor ganho ; afasta as chuvas ,
Que ás vezes alagando as louras messes,
Das ribeiras engrossão as correntes
E arrastão entre as ondas procellosas,
Entre as ruinas com enorme estrago
A vital nutrição de hum povo inteiro.
Flagellos horrorosos , que a vingança ^
Dos Numes irritados muitas vezes
A terra manda; após os quaes levantão
A mofina indigência , a magra fome ,
CANTO I. 45
A pobreza , a miséria as mãos mirradas ,
E empunha entre ellas impia fouce a morte.
Mas ouve o Cco as preces dos cultores ,
£ justo recompensa os seus trabalhos.
Ja no campo as espigas ondeando
Figurão hum mar de ouro , a branda palha
Amarella se mostra, o grão condensa
O lácteo sueco; he tempo de cortá-lo ,
Antes que muito secco o rijo Eolo
E a mão do ceifador por terra entornem
O fructo , rola a espiga. Oh flava Ceres,
Vem tu mesma guiar os ceifadores,
Empunha a curva fouce e prostra a planta.
Camponezes, correi, alai os molhos,
Erguei-os em paveas , que dirijão
As espigas ao ceo, útil cautella
Em todo o tempo, e necessária quando
A chuva tem molhailo, ou molha os trigos;
|4" GEORGICAS.
E tu , oh guardador , prende ás carretas
Os forçosos novilhos, que he já tempo
De transportar os pães ; porem evita
A força do calor para o transporte,
íeis larga então mais grãos a secca espiga.
Mas já do fértil campo os louros molhos
P lavrador tirou , Ceres o corre
Gostosa de lhe achar curta resteva ,
Igual por toda a parte e fornecida.
Vamos agora, oh Nize, ver as eiras
Onde o trigo e cevada estão em medas ,
E aonde o lavrador contente espera
O premio e recompensa dos trabalhos.
Sobre o cume de hum monte percorrido
Com cyllndro pesado, ou malho forte,
."ÇTnido e duro, se debulha o trigo.
Eu não descreverei ora, oh cultores,
Machinas próprias a empregar nas eiras ,
CANTO I. 45
Ou seja para o grão despir das válvulas ,
Ou para o separar de estranhos corpos.
Novos trabalhos minha Musa esperão ,
E de outras producções eu passo, oh Nize,
A narrar-te as vanlajens e a cultura.
CANTO II.
li Ão são os altos muros das cidades ,
As arcadas , os pórticos, os templos,
Os palácios dos grandes , que pintar-te
Vai , oh Niza adorada , a Musa minha.
Altos colossos de tropheos ornados ,
Erguidos obeliscos, de que inda hoje
Se gloreia o Egypto , do meu canto
O assumpto não serão. Pintar-te eu quero
Do singelo cultor modesto asjlo ,
Qual elle deve ser , simples , alegre
£ próprio ao útil fim de seus trabalhos.
48 GEORGICAS.
Traçar-te vou os commodos apriscos,
Os sadios curraes, os bons celleiros,
A adega , onde de Baccho os suecos fervem,
Os lagares aonde espuma o mosto,
E os que a azeitona com esforço espremera :
E ao agradável misturando o útil,
Farei que flores mil em torno cresção,
Fructos de alto valor, fresca verdura,
Que do colono o asjlo aforraoseem.
Quando os homens errantes, como as feras.
Dos fructos do carvalho se nutrião ;
Quando j de hum arco e settas sempre armados
Vivião de seguir pelas montanhas
As indómitas feras, ou co'as redes
A« aves em ciladas apanhavão ,
As grutas, as cavernas contra as chuvas,
Contra os ventos cruéis e contra as neves
Erão o seu abrigo ; sem cuidado
Sobre o futuro , á nutrição de hum dia
CANTO II. 49
Votavão d' esse dia o só trabalho.
Errantes na extensão dos frescos prados.
Mais pacificos sob as leves tendas,
Os primeiros pastores se abrigarão.
Sem ter fixa a morada , o tempo , os pastos ;
O intVesse dos rebanhos tão somente
Os movia a acampar e a retirar-se.
O cultor, obrigado a viver sempre
Junto ao solo que arara, a defender-se
Do rigor da estação , e a pôr seguras
Das injurias do ar provisões ganhas
Com fadiga e suor , foi o primeiro
Que levantou asylo permanente*
Fixando em terra despojados troncos ,
Enlaçando-os com mais flexiveis ramos,
Huma cabana ergueo , aonde o colmo
Cobrio filhos e esposa : ás mesmas rezes
Hum abrigo erigio ; mas bem depressa
* 5
5ò GEORGICAS.
A chuva , o vento , o tempo inexorável
A fraca habitação lançou por terra.
Desde então os humanos trabalharão
Em cimentar com massas pegajosas
As duras pedras , em formar paredes
E mais firmes asylos; finalmente
Em as obras compor de architectura.
Aos trabalhos ruraes indispensáveis.
Tracemos, Musa minha, pois que o tempo
Já aos homens mostrou de que maneira
Deve o asylo seu ser fabricado,
Tracemos da morada dos cultores
Quaes devão ser a exposição e as partes.
De risonha coUina em branda encosta.
De Naiades saudáveis refrescada.
Vizinha a hum solo grato aos pomareiros
E grato aos hortelões , onde Pomona
CANTO II. 5i
E Vertumpo floresção com vantajepi,
Ditoso te contempla se pode'res
Da tua liabitação lançar as bases j
Longe da vizinhança das lagoas,
Focos de corrupção , que o ar vicião :
Longe dos valles húmidos e frios,
Onde hum ar nebuloso pouco a pouco
Da vida diminue o lume escasso ,
E o saudável vigor aos membros lira :
Lugares onde os tristes habitantes
Sobre o pallldo rosto impresso trazem
De hum clima ingrato o desastroso cunho:
Onde os fracos mortaes languidos sempre
Não lhes he dado em torno á frugal mesa
\er assentar-se a prole numerosa.
Honra das cans , e da velhice amparo,
roje lambem de hum sitio aonde as fontes ,
De lympha escassas, no calor do estip
Recusão aos rebanhos a bebida ,
£ ás hortas e pomares a frescurai^
5t2 GEORGICAS.
Exposições se encontrão desabridas.
Que se devem fugir , d'onde lutando
Em viva guerra os indomados ventos ,
Parecem desterrar a prole humana.
Alli as tempestades furiosas ,
Cos troncos mais robustos investindo,
Os derribão por terra; alli no inverno
Aquilão regelado , que assobia ,
Fere , opprime o cultor , oíFende as rezes
E á morte certa o seu rebanho entrega.
HuMA vez escolhido o lugar próprio ,
Com methodo começa os teus trabalhos.
De hum pequeno cultor o pobre asylo
Não iguala dos riccos a morada.
Aquelle que pequenos campos ara,
Menor curral precisa e menor tecto.
Menos tendo a cobrir; porem a ordem.
Boa disposição , util limpeza,
A singela elegância , necessárias
CANTO 11. 55
São tanto á hiunilde choça dos pastores
Como á morada do colono ricco.
Cada hum proporciona na grandeza
Os edifícios seus aos seus trabalhos ,
Bem como ás producções das terras suas,
E hum plano regular dirige o lodo.
Ve com que ordem a abelha industriosa
De branda cera as cellas organisa ,
Com que ordem junto ás limpidas correntes
O castor seus asjlos edifica ,
Com que cuidado as aves amorosas
Para os filhinhos tecem fofo ninho
Entre os ramos das arvores copadas,
E no seio da terra as previdentes
Formigas o sustento depositão
Em ordenadas covas resguardado.
Quanto folgo de ver os louros trigos,
Producto da cultura cuidadosa ,
5*
54 GEORGICÂS.
Em liuni limpo celleíro recolhidos;
Pelo ar conservada ao grão de Ceres
Seccura e fresquidão , com que elle folga ;
Bem construídos, branqueados muros,
Ao rato roubador impenetráveis ,
Onde fendas não ha em que se abriguem
Os malignos insectos roedores ;
De finas redes de tecido arame
As pequenas janellas guarnecidas,
Com caixilho int'rior de rala têa
Que vedar possa á borboleta a entrada.
Se alli por vários tubos, te' ao meio
Do grão amontoado , o ar circula ,
Em perfeição guardados largos annos
Os trigos podem ser , sem que os ataquem
Funestos males que lhes poupa a industria ,
A industria mãi fecunda das riquezas.
Quantas vezes colheitas abundantes
De trigos e cevadas, que aos cultores
CANTO II. 55
Dera hum terreno grato e generoso ,
Quantas, tenros legumes preciosos,
Producto de fadigas e trabalhos.
São a preza do rato malfazejo ,
Chegão a corromper-se , ou devorados
N'hum momento se vêm por mil insectos :
Do incauto colono penas justas !
Oh quanto irrita o Ceo fatal descuido^
Que entrega á corrupção , que perder deixa
Bens ao sustento humano destinados !
Oh quantas vidas da miséria ás garras
Poderião roubar somente as perdas,
Que a van preguiça causa aos lavradores!
Do teu suor o premio, o dom dos Numes
Não exponhas por tanto a aniquilar-se;
Mas segundo os teus meios ergue ao lado.
Do tecto, aonde habitas, hum celleiro ,
Em que segura tenhas a abundância.
Dos palheii os alli também levanta
56 GEORGICAS.
O reparado abrigo , aonde aquelle
Que attenlamente cuida de seus gados,
Provisão guardará de palha e fenos,
Sustento necessário, e mais que todos,
Ao boi , como ao cavallo proveitoso.
D'alli também defende com cuidado
A entrada ao rato , que de hum cheiro impuro
Infecta as provisões que não consome,
E aos mahgnos insectos , que maculão ,
Det'riorão dos gados o sustento.
Circule o ar também por entre os fenos.
Para que fermentando não se accendão ,
Ou percão o sabor ás rezes grato.
Para evitar fadigas e transportes ,
Sob os palheiros os curraes coUocão
Os próvidos agricolas , e ás grades
Fazem por alçapões baixar os fenos;
Mas para conservar aos úteis gados
A robustez, vigor, saúde e força
CANTO II. 57
Faze-Ihes respirar húma aura pura ,
Praticando aberturas nas paredes
E cobrindo-as com panos , que no estio
Os animaes abriguem das picadas
Dos alados insectos importunos.
Alli aos lassos brutos , que repousão ,
Espalhados retraços leitos formão ,
E mal que a fermentar estão dispostos,
Passão ás covas , d' onde convertidos
Sabem em gordo adubo para os campos.
Desta arte o lavrador de si em torno
Os edifícios ergue necessários ,
Para que possa a todos facilmente
Seu cuidado estender e vigiá-los.
Qual abelha rainha em torno á cella
Espaçosa e real , manda se formem
Por toda a parte os bem dispostos favos>
E d' alli rege o povo industrioso
5S GEORGICAS.
Nos diversos empregos e trabalhos :
Em quanto parte, volitando ao longe,
Extrahe o sueco das eheirosas flores ,
Parte prepara o mel e a cera branda :
Humas da nova prole attentas cuidão,
Ou mortos corpos do cortiço lanção ,
E o resto , contra os zangãos conspirado ,
Da colónia extermina hum fardo inútil :
Tal , digo , o lavrador dos seus cercado,
Providente os trabalhos distribuo ,
Banindo o ócio da industria imigo.
Alem faz conduzir o mato ás covas ,
E ás rezes estender hum novo leito ;
Aqui faz padejar de hum lado ao outro
O trigo no celleiro amontoado ;
Humas vezes percorre os seus palheiros,
E reparar os faz das frias aguas ;
Outras, manda abrigar do tempo iroso
Os úteis instrumentos, que descausão.
CANTO II. 59
FoBÊM cauto, dos vários edifícios
Em isolar cogita as varias partes ,
A fim de prevenir do incêndio o estrago.
Une da natureza a simples graça
Com as obras da arte. Oh quanto he doce
Aos olhos , descansar sobre a verdura
Das arvores viçosas, que interrompem
Aqui e alli os muros branqueados .'
Quanto agradável a frescura e sombra
Das verdes copas no calor do estio ,
Quando de hum puro gaz os ares enchem,
E huma aura impura ( 1 6) próvidas embebem ;
Na primavera mil fragrantes flores
\er pender em festões; no outono os frucloSj
Gratos ao paladar, colher nos ramos;
Attrahidos das arvores co' a sombra
Os mimosos cantores das florestas
Vem alli fabricar os brandos ninhos ,
E mil concertos variados soltão
Em torno á casa, que o cultor habita.
fio GEORGICAS.
Por isso lie que elle esplana contra os muros
Dos edifícios seus diversos troncos,
Com o junco e c'o vime subjugados;
Ou seja o delicado pecegueiro ,
Ou seja o damasqueiro, ou a gingeira,
A pereira no inverno preciosa ,
O limoeiro, a limeira, que se adorna
De saborosos, odorantes fructos,
A vide , de que pendem doces cachos.
He n'hum asylo tal, oh Nize amada,
Que vê na doce paz correr seus dias
O que isento do ócio e van cubica ,
Faz do trato rural o seu estudo.
Os primeiros humanos imitando ,
Cultiva cuidadoso a terra grata ;
Se lhe lembra deitar-se á fresca sombra
De frondoso carvalho sobre a relva ,
Os rios brandamente murmurando ,
As aves descantando nas florestas ,
CANTO II. 61
Tudo o convida a socegados somnos.
Se não queima a seus pés a dependência
Da lisonja o incenso , se o não cercão
As pompas e as grandezas , ao seu lado ,
Habita a doce paz , vive a abundância.
Do diurno trabalho fatigado ,
Folga de ver ao descahi. da arde
O pastor , que tocando a doce avena
As ovelhas conduz ; no cheio tarro
Aquelle lhe apresenta o branco leite ,
E a esposa os niveos queijos e a coalhaida.
Mais tarde os lentos bois trazendo assomão
Reclinada a charrua ao jugo presa ;
Mugindo alem as vaccas criadoras ,
Dos novilhos seguidas apparecem ,
Que exp'rimentando as inda ténues forças^
Iluns c'os outros era luta já se ensaião;,
Os rafeiros c'o gado , que preservão
Do lobo roubador, no pateo entrando.^
* 6
62 GEORGICAS.
Lhe vem as mãos lamber, e em torno sallão^
Hum recreio innocente finda e c'roa
As horas destinadas ao trabalho;
Depois de recolher as mansas rezes ,
O guardador, ao som das tesas cordas.
Cantando dansa em gyros co' as pastoras.
Em tanto a par da esposa , rodeado
Dos tenros filhos , lavrador ditoso
Ensinando-lhes vai co' próprio exemplo ,
Linguagem expressiva , a limitarem
Os desejos a gozos innocentes,
A desprezar o orgulho , a ambição louca ,
Oppostos sempre á solida ventura.
NÃo de outra sorte , quando ao som sublime
Das lyras de ouro , os transportados vates
Da prisca idade a dita descreverão,
Os quadros seus ornou de vivas cores
O pincel eloquente da verdade.
CANTO II. 63
HtJM tempo houve feliz em que as augustas
Mãos dos Monarcas, empunhando a esteva,
Em doce paz o próprio campo ararão;
Sem mjiis guarda que a estima de seus povos.
Sem mais bens que a virtude e o seu trabalho ,
Era o publico bem , o bem da pátria ,
A dita só , a gloria a que aspiravão.
Mas de todo mudou da terra a face ^
Mal que a soberba com maligno influxo ,
Aos delictos no mundo abrio entrada.
Desde então, huns dos outros inimigos,
Os animaes a terra ensanguentarão ;
Roubou o lobo as miseras ovelhas;
O açor empolgou a rola fraca ;
Contra o açor a águia a garra adunc^
De improviso lançou, e p lep^o fero
Nos outros animaes cahio faminto.
Silvarão pelo campo horriveis serpe? ,
pestillando mortiferos venenos.
64 GEORGICAS.
Desde então se fechou da terra o seio,
E em vez de fructos produzio abrolhos.
Os rios , das barreiras triumphando ,
As miseras campinas alagarão ;
Envolveo-se de luto o firmamento;
Rebraraárão trovões; ardentes raios
Fulminarão os troncos , e tremendo ,
Chammas de si lançou a própria terra.
Forçoso foi então , que os mesmos homen»
Com armas huns dos outros se guardassem^
Foi forçoso cingir de espinhos duros
As próprias possessões; em toda a parte
Se leo o meu e o teu, e em toda a parte
Do meu e teu perversos inimigos
Surgirão á porfia; a dura força
Da Justiça na mão tomou a espada.
VoLVEo do tempo a lutuosa roda ,
Mais e mais as desgraças se augmentárão.
CANTO II. 65
Lá do seio do norte congelado
Barbaras hostes, inundando a Europa ,
Toda a gloria em fereza converterão.
Virão-se, oh magoa ! míseros escravos
Os tristes cidadões livres outr'ora ;
Cobrio Marte de horror os férteis campos;
De guerreiro apparato rodeadas
As antigas moradas dos colonos
Em formidáveis torres se tornarão ;
Perecerão as artes agradáveis ;
As artes úteis igual fim tiverão ;
Os colonos vendidos como os gados
As terras para os Bárbaros lavrarão;
A cultura pasmou , morreo a industria.
Ed mesmo, eu mesmo a vi, hórrida imagem
De tempos infelizes I vi a espada
Nas mãos da guerra desolar os campos ,
Fugir o camponez do pobre asylo
ror inimigos braços despojado.
6*
^6 CEORGICAS.
Vi a fome cruel. Yi....mas que horrores
Te pinto , oh Nize ! he tempo em que deixando
Tristes scenas, que o Ceo punindo crimes ,
Ao mundo apresentou, retome a avena,
E voltando ao assumpto que deixúra.
Os celleiros de Baccho te descreva»
De Phebo p ardente olhar, que os louros cachos
Assucarados torna e preciosos ,
Quando ainda pendentes da videira
De pâmpanos viçosos se çoroão,
He ao licor da3 uvas espremido
De hum eíFeito fatal ; milhões de vezes
Hum vinho , que sem pejo se oífrecêra
Do divinal Olympo a par do néctar,
Em hum lugar exposto á calma ardente ,
Em azedo vinagre se converte.
De Naxo nas montanhas, que povôão
Por toda a parte verdejantes cepas ,
CANTO II. 67
Huma gruta se vê de toscas penhas;
De hum lado e outro crystallínas fontes ,
Brandamente sahindo de entre as lapas
Sussurrão com doçura ; as lentas vides
De ApoUo aos raios com viçosas folhas
A entrada impedem , e subindo ao cume
Dos alamos frondosos que a guarnecem,
Pendera em mil festões por toda a parte.
Huma relva mimosa e sempre verde ,
De varias , lindas flores esmaltada ,
Lhe forma o pavimento : alli da calma
Jamais penetra a força , hum ar suave
De continuo tcmp' rado se respira
Entre as heras , que a par das negras bagas
Mostrão lustrosas folhas sempre-verdes.
No mais profundo d' este fresco asylo
Guarda o ébrio Sileno o doce mosto,
Seu amor , seu desvelo e seu cuidado.
Esculpidas estão na penedia
As insignes \ictorias do Thebano,
6
^8 OEORGICAS.
Quando tirado por malhados tigres ,
Entre o bando das fervidas Bacchantes,
A Ásia sujeitou, e em vez de lança
Na dextra maneava hum verde thjrso.
Tão após o seu carro fohando
Os Satjros galhudos e os caprinos
Faunos de verdes heras enramados.
Cem amphoras , que ainda aroma exhalao ,
Cem torneados vasos e cem pelles
Pela gruta esparzidas se devisão.
Imitemos Sileno em seus cuidados;
Seja o seio da terra quem resguarde.
Os suecos, que nutrira a superfície.
HuMA adega na terra sepultada
Conserva em todo o tempo utU frescura.
As melhores madeiras alli formem ,
Pelas cintas de ferro subjugadas,
Capazes vasos , que o licor contenhão.
Alli as celhas , dornas , quartos , pipas
CANTO II. 69
Devem sempre abundar, e finalmente
Será perfeita adega , cm que sahindo
O mosto de hum lagar mais alto que ella ,
Por canaes aos toneis he conduzido.
Sob a pressão de fortes parafusos ,
Da uva escorra o sumo assucarado,
E fermente nas cubas sempre limpas
O rúbido licor de roxos cachos.
Da cava no mais fundo em transparentes
Botelhas seja posto com cuidado
O bacchico licor que a rolha fecha ,
E co' lapso do tempo se melhora.
Assim para apurar os dons de Evous
Forme o hábil cultor as oíRcinas
Junto do tecto seu; assim eleve
Solicito almazens, em que recolha
Da arvore de Palias a coltieita.
Mas nas margens de hum rio, ou de hum regalo
7 o GEORGICAS.
Aproveitando da agua útil esforço,
Forme o lagar, aonde as fortes galgas
Esmaguem a azeitona, e onde a imprensa
O óleo precioso d'ella tire.
Porem empregue aqui todo o cuidado ,
E sem poupar trabalhos nem fadigas,
Huma oílicina tal limpa conserve.
Mas he já tempo , oh Nize , que deixemos
Do agrícola a morada , e sobre as azas
Da minha Musa, que incessante voa.
Vem o terreno ver que em torno a cerca.
Alli verás primeiro em canaes vários
A lympha em tortos regos serpejando,
Os lagos procurar, onde pintada
A abobada celeste se devisa,
D' onde de Phebo os reflectidos raios
A cem partes di\ agão inconstantes ,
E d' alli sabiamente repartida
Levar por toda a parte útil frescura ,
CANTO II. 71
Matando a sede ás sequiosas plantas.
Veras não longe as esplanadas arvores
Com symraetricos ramos revestindo
Os muros d'esta sorte embelezados.
N'outra parte , deixados á natura ,
Verás os troncos de sombrios bosques,
Que, elevando-se ás nuvens, alardêão
A natural beileza e liberdade.
AUi terás na fresca primavera
Das flores variadas a fragrância ,
Sombra e frescura no calmoso estio ^
£ no outono , no vime entrelaçado
Os fructos colherás de mil sabores.
Allt a triumpbante mão da arte
Fará criar no marmeleiro acerbo
A pêra saborosa ; a amendoeira
Nutrirá com seu sueco os grossos pomos
Do pecegueiro e as rosadas flores ;
72 GEORGICAS.
Pondo de parte o abrunheiro agreste
A selvagem fereza, presta os suecos
A branca , ou rubra ameixa delicada ;
E conservando a robustez antiga ,
Dócil ás mãos da arte , ufano brilha
Dos adoptivos fructos carregado.
Exulta o pomareiro , que mettendo
Em hum tronco selvagem , que rachara ,
De hum cultivado ramo huma vergontea ,
A casca unindo á casca, o lenho ao lenho,
Ou na fendida pelle introduzindo
A fechada borbulha, ou finalmente
C'o habito fixt'rior de hum fértil ramo
Outro ramo vestindo agreste e forte,
Só, com sua arte, úteis prodigios cria.
Tanto pode ampliar os próprios gozos
A industria dos mortaes , quando a exp'riencia ,
Mestra das artes , fielmente os guia !
CANTO II. ' 73
Es tu, sim tu, fecunda natureza,
<^ue inspiras aos mortaes as varias artes ;
Tu que nos densos bosques solitários
De hum tronco ao outro as braças reuniste
Em natural enxerto , tu que ás vezes
Dás , unindo indivíduos separados ,
A dois diíF'rentes lenhos huma copa.
Examinemos pois , oh lavradores ,
A marcha pesquizemos da natura ,
Que só pode guiar nossos trabalhos :
Económica , sabia e providente
Nada lhe falta , nada fez inútil ;
Ao contrario , se a arte presumpçosa ,
Transgrede a sua lei , miséria e morte
O castigo serão da audácia sua.
Assim o regetal, que mão ousada
Da vertical raiz tem despojado ,
A pezar dos cuidados, dos desvelos,
Jamais chega a contar extensa vida.
Plantemos pois , oh Nize , os férteis troncos
7
74 GEORGICAS,
Taes quaes a mãi commum propicia os cria ;
Para que á sombra delles nossos netos
A mão bemcligão, que formar-lhes soube -
Estes dóceis copados de verdura,
Estes focos de fructos saborosos.
Plantemos inda no terreno próprio
Com ordem cada arvore; de hum lado
As mais fracas se vejão , de outro as fortes ;
De hum as que a folha largão , de outro aquellas ,
Que possuindo eterna mocidade,
Huma viçosa folha sempre adorna.
Tu vem primeiro, lá da Arménia fructo ,
Damasco saboroso , fino e bello ,
E nas tuas espécies variado ,
Occupar hum terreno nutriente,
Leve e fino ; jamais cortante ferro
As braças te mutile ; em liberdade
Estende em torno a ti fecundos ramos.
CANTO IL 75
Feliz o que enxertando Ifgneo tronco,
No lugar mesmo em que a semente o dera.
Nesse mesmo lugar seus fructos colhe :
Os seus vindouros bemdirão seu nome,
E o tronco prezarão , que assim criara.
N'um igual solo , oh Nize , plantaremos
Com desvelo o mimoso pecegueiro
Podado attentamente , e contra os muros
Preso com arte em regular figura ;
O tronco das vermelhas azarolas
Dará na primavera as liadas flores^
Em cachos agradáveis, e no outono
Virão orná-la os agrodoces fructos.
Ça gingeira o estio os dons sazona
Como os da cerejeira , e colheremos
As avelans , que dobre casca envolve.
A cerejeira aoia o calcí^riç asseata^
Assim como a ginigeira^ e.pelo enxerto.
Mais que pela semente prompta cresce.
7
^G GEORGICAS.
.A aveleira em terreno fresco e solto ,
Das sementes nascida , dará fructos ,
E ás melhores ameixas, aos abrunhos.
Paremos no vergel lugar distincto.
Provendo á estação fria em que cerradoç
Os thesouros fecundos de Pomona ,
Nem se quer a verdura os vergéis orna ,
A maceira de espécies variadas
Que se c' roa de doces e agros pomos
Plantaremos nos altos com vantajem.
As diversas pereiras , que alim então
fructos em toda a quadra preciosos
E de duração longa , sobre o tronco
Da sua espécie de semente vindo ,
Ou sobre o marmeleiro enxertaremos ;
Arvore dócil que obedece á forma.
Que ao pomareiro agrada , e ora reveste
Seus muros de verdura , ora se eleva
livremente no ar , e até em leque
CANTO II. 77
Forma paredes de agradáveis ruas.
A figueira creadora de frescura,
O marmeleiro, que fornece os pomos
A arte do copeiro , e os bellos troncos
As enxertias; a arvore a que outrora
De Pyramo tingio o sangue o fructo j
A uva espim , o pirliteiro , a çarça
Emulas brilharão no pomar nosso.
Mas na parte dos ventos abrigada
Ostentará a par das verdes folhas
Os áureos pomos e fragrantes flores
A laranjeira j dos succosos fructos
Se ornará a limeira preciosa ,
A par do limoeiro azedo e doce.
Por entre os vários troncos repartida
Murmurará a lympha branda e clara ,
Necessária frescura derramando.
No outono , sabia mâo , de inúteis braças
7*'
7» GEORGICAS.
Despojará as arvores , e attenta
Na doce primavera os curtos garfos
Nas fendas metterá dos novos troncos,
Ou nas abertas cascas as borbulhas ,
E com o próprio unguento (17) humedecido
As chagas cobrirá das plantas suas.
Também as frescas aguas, que dimanão
Da risonha coUina , indicar devem
A horta , onde as mimosas hortaliças
Cobrem a terra, e onde a industria e a arte
Se prezão de nutrir succosas plantas ,
Da natura os esforços ajudando.
Alli do hortelão mão cuidadosa
Para as aguas reger canteiros forma
Tirados ao cordão , pequenas ruas
Para o transporte dos adubos deixa ,
E serviço das plantas. Alli cresce
Repolho tenro, couve delicada,
A branca alface , o nabo turbinado ,(18)
CANTO II. 79
Babão picante, betarraba doce;
Enroscando-se alli pelas latadas
O feijão tem pendente a branda vagem ;
Cresce o espinafre, a varia ervilha cresce;
O alho , a cebola sob a terra engrossão ;
A verde salsa, o manjericão verde,
O coentro, a tufada pimpinella.
Melancias aquosas, e fragrantes
Melões assucarados, os pepinos ,
As abob'ras de espécies diíTerenles,
Beringelas , cenoiras , rabanetes ,
Os espargos, mastruços, alcachofras
Abundão nos canteiros espalhados.
Nunca alli faltão variadas plantas
Que sustento, ou regalo ao cultor prestem;
A que teme o calor, continuamente
He pelas frias aguas refrescada,
E aquella a quem a neve e o frio assusta ,
O hortelão cuidadoso ^fa torno a abriga.
8 o GEÔRGICAS.
A toda a parte leva o grato adubo
Do pequeno carrinho a leve caixa;
O sacho sem descanso não perdoa
As más hervas, que em torno ás plantas nascem.
O cultor , que he de meios abundante ,
Para o seu gozo alli as ruas orna
Dos verdes buxos e de murta verde ,
A tesoura cortados , da cheirosa
Baixa alfazema, ou teixo á vista grato.
Do nardo, ou dos arbustos, que mais ama.
O morango estolhoso (19) alli floreçce;
A reptante (20) hortelan , a segurelha,
A manjerona, a azeda, a bergamota,
A chicória no fértil solo crescem ;
O tomateiro , o pimentão verdejão
Vaidosos com os fructos purpurinos
NÃo cantarei, oh Nize, os dons de Flora,
O trato dos jardins , nem o suave
CANTO II. S^
Grato cheiro das flores. Vós , oh Nymphas ,
Com ellas enastrai as tranças de ouro ;
Com ellas vos ornai em mil grinaldas
Nos dias festivaes , jovens pastores.
Pompas da natureza , vós oh thalamos ,
Dos vegetaes amores , vossas graças
Sejão cantadas por mais dignos vates.
Nem porei meu cuidado em descrever-te
As estufas , aonde o vidro encerra
Da zona ardente os saborosos fructos ,
Ao gozo do opulento destinados;
Foi assaz liberal para com nosco
De bens a natureza ; que outrem busque
Appropriar-se o luxo , que ella em parte
Dco a outros paizes e outros climas.
Mais grosseiros trabalhos e mais úteis
São a nossa partilha , oh lavradores ;
E para me adornar a agreste fronte
Que o ar e o sol nos campos tem crestado ,
Oh Nize , prezo mais do que as tulipas
82 GEORGICAS.
A c'roa, que de myrtos me formaste,
Nas verdes balsas por tua mão colhidos»
NÃo deixarei porem no esquecimento
As tenras aves , que o cultor sustenta ,
E que a habitação sua embelezando
Seu pequeno cuidado recompensão.
Companheiras do agricola , o meu canto
Vinde agora escutar , vós a quem cabem
Os trabalhos domésticos em sorte.
Attentas vigiai dos brancos ovos
A lenta incubação , e aos tenros pintos
Distribui a varia alimpadura
Que no crivo passou , ou o quebrado
Grão do milho; ás gallinbas, e aos nadantes
Alvos patos , as hervas , e mãos fructos
Cozidos preparai, como aos vaidosos
Gordos perus, na infância delicados;
O vizinho pombal de Cypria as aves
Ço' a tenra prole sem cessar povoem ;
CANTO II. 83
Gozem todas no abrigo co' a limpeza
De hum trato regular, de huma aura pura.
Tenho-te, oh Nize minha, desenhado
O asylo do cultor. He tempo agora ,
Que hum momento de parte os pincéis pondo,
Interrompa o trabalho e deixe a avena;
Hum vasto campo inda a correr me resta.
Mas se hum só olhar teu me recompensa ,
Não temas } Nize, de correr que eu canse.
^<»'*'*-'%(V<*»/V^^'*^-^'* 'V^'V%^ '*/%'»•%/* f»*.-*»»-»^!»/»^ /%/%.■% ^/%/^,.^,,^,
CANTO iir,
Deixemos, minha Nize, o ledo asylo
Do ditoso colono, abandonemos
As plantas annuaes e os seus trabalhos;
Deixemos as lavouras repetidas
De que o trigo carece ; pois ferindo
Palias a terra , de seu seio eleva
Os pacificos ramos a oliveira.
Oh arvore infeliz, ricco thesouro
Do ingrato lavrador dos Lusos campos,
Já começo a cantar- te, e em teu soccorro
Vou chamar a razão , e levantá-la
Sobre as azas da simples harmonia.
86 GEORGICAS.
Tu, Deosa das sciencias e das artes,
Ora a cantar me ajuda o teu triumpho ,
O tronco , que venceo com seus thesouros ,
O soberbo animal , que o Deos das ondas
Qual hum raio sahir fez do oceano ,
Soltas ao ar as ondeadas clinas.
Erguido o collo , e chammas respirando.
Ouvi-ME , oh lavrador, deponde os erros
Que a antiga usança sem cessar consagra;
A mão calosa do severo tempo
Erige em leis os mais cruéis abusos,
E o vulgo respeitoso abate a fronte
Perante os erros da remota idade.
Là nos incultos solitários campos,
Onde não entra da charrua o ferro ,
Filho da natureza e d'ella alumno,
Se reproduz o forte zambujeiro ;
Nascido da semente derramada
CANTO III.
Em hum terreno próprio , té ás bordas
Do negro ab smo a longa raiz lança
Vertical e robusta ; doesta sahem
Forçosos ramos, que o terreno ao longe
Rompendo abração, adornados sempre
De nutrientes capillares {21) ténues;
Tardo em crescer, na duração parece
Kival da eternidade ; alçando a fronte >
Zomba do vento, ri das tempestades,
E de folhas se cobre verdejantes.
A profunda raiz, que em terra desce,
O sustenta e vigora* quando a culta
Oliveira, provinda já dos ramos,
Já das raizes, he mais fraca e débil.
Teme o rijo aquilão, teme as procellas,
£ do tempo não zomba tão vaidosa.
Tu pois , a quem propicia amiga sorte
Deo de taes troncos em partilha a copia.
Com mão impía a terra não despojes
88 GEORGICAS.
D'este thesouro ; mas cortando os ramos ,
O caule (22) poupa, e inserindo n'elle
Novas vergonteas , hum olival preza
De todos o melhor e o mais robusto.
Oh .• quanto folgarião nossos netos ,
Se em alinhados renques, pelas terras,
Para seu bem , lançássemos prudentes
D'azeitona os caroços ! Se imitando
Das aves a lição (23), em largas dornas
Co pingue adubo e co'a arenosa terra
Accelerando a força germinante ,
Vencesse a arte a tarda natureza ;
E co' a cultura hum olival surgisse
De robustez, de duração eterna'
Porem, depois que a industria e que os cuidados
Dos próvidos mortaes aos campos cultos.
Aos terrenos movidos e adubados
Trouxerão a oliveira, esta apresenta
CANTO III. 89
Hum numero de espécies segundarias
Distinctas e diversas; humas lanção
Mais cedo a flor, mais cedo de seus ramos
Maduro pende o fructo ; em quanto as outras
Mais tardas , com aquellas não florescem
Nem fructificão ; n'uma parte ostenta
Brilhante negro o fructo, n' outra a fina
Pelle, que o cerca, hum verde claro mostra;
Ou tem os fructos cor avermelhada,
Diversos na grandeza e qualidade ,
Nas formas , e nas cores. A humas d'ellas
Hum solo convém mais e mais hum clima ;
Ou seja que os abrigos as mais tenras
Mais perfeitos exijão ; ou que ainda
Os princípios que a seve lhes fornece
De cada espécie á criação convenhão
Diversamente. Oh quanto útil seria
Que o lavrador a espécie conhecesse ,
Que prospeVa melhor no seu terreno ,
E que hum mesmo olival fosse habitada
90 GEORGICAS.
Por individues de huma mesma espécie !
Seria então igual era tudo o trato ,
A florescência igual , igual colheita ,
E o fructo , a hum mesmo tempo amadurando,
Por igual fornecera hum puro azeite.
Sem attenção jamais prosperar pode
Trabalho humano; da razão dotado
Estuda, oh lavrador, observa e pensa.
Porem envolta em condensadas nuvens,
E cercada de horrenda escuridade
Triste ignorância habita em nossos campos.
Jazem na indolência sepultados ,
Entregues ou ao ócio , ou aos prazeres ,
No luxo consumindo os opulentos
Os bens , que o lavrador com suor ganha.
De telas de ouro os aposentos cobre
O habitanlç inútil das cidades ,
E hum triste colmo mal do tempo abriga
Do pobre lavrador a humilde choça.
CANTO III. 91
Piada desperta » nada anima a industria.
Na miséria e desprezo abandonado
O lavrador prosegue na ignorância ,
E movido somente pela força
De hum triste necessário , sem desvelo.
Como o pai cultivou, cultil^a o filho.
FtJNiSTos erros ! Deperece em tanto
A oliveira tarda em crescimento;
Cobre o mato os terrenos mais fecundos;
No fértil valle o junco estéril cresce;
Despovoão-se as miseras aldeãs ,
E exhaurida a nação, vê sem recurso
Faltar-lhe a força , e qual o corpo enfermo ,
A quem fatal moléstia entorpecera ,
Cahe sem vigor , e apenas com trabalho
Sobre a terra se arrasta : assim privada
Do espirito vital da agricultura ,
A sociedade languida , perdida
^ energia e a força, oífrece o collo
gi GEORGICAS.
Ao jugo alheio , que evitar não soube;
Ou compra com torrentes de seu sangue
Aquella independência, que poderá
Com pacifica industria ter guardado.
Dos humanos s( solida riqueza
líâo jaz do Potosi no metal fulvo.
Nem na pérola india, ou mexicana ,
Nem no diamante de que abunda o Ganges;
Mas venturoso he sim aquelle Estado
Ricco de braços, de provisões ricco.
Aonde a fouce nas searas cansa,
E que dos bens reaes que nutre e cria ,
Ao longe vai levar a extrema copia.
Porem té onde , oh Musa , o voo elevas?
Ah? deixa o campo azul, que altiva fendes,
A mais expertos vates ; volve aos bosques ,
Faze outra vez ouvir do fértil tronco
De Minerva qual seja o próprio trato.
CANTO Ilíi 93
A próvida natura , comparando
A vida do cultor, c' o crescimento
Moroso da oliveira semeada ,
Quiz que a mão que plantou , guardar podesse
A esp' rança de colher hum dia os fructos,
E á arvore pacífica mil meios
Deo de reproducção , deixando á industria
Livre entre elles a escolha. Já na terra
São as braças mettidas , e vegetão ,
Crião raízes , desenvolvem folhas ,
Mais que tudo se a braça, que he plantada,
Se eleva muito pouco sobre a terra;
Já se plantão os nós proeminentes
Cortados das raízes; delles brotão
Bastas vergonteas, entre as quaes escolhe
O próvido cultor a que he mais bella;
Já da casca, que esconde as cicatrizes
Dos rebentões cortados, se aproveita.,
E mettendo-a no solo , vê com gosto
A arvore crescer ; ou J9Í protege.
94 GEORGICAS.
Contra o dente do gado as tenras hastes^
Que brotão da raiz ligada ao tronco.
Porem, filhas da arte, he só com arte
Que podem prosperar aquellas plantas.
E se a grande oliveira teme o sopro
Do aquilo gelador , cora maior causa
O teme a joven arvore, que apenas
Tem lançado raiz. Hum tronco herbáceo (24)
He ao principio o seu : fraca e delgada
Precisa de attençoés e de desvelos.
Hum terreno fecundo, solto e leve.
Que mantém o calor co*a aréa fulva ,
E aonde possão crystallinas aguas
A frescura levar de quando em quando,
Ao viveiro convém. AUi plantados
Os novos ramos , a crescer começão
Do colono as futuras esperanças.
Vos , oh Dryades tenras , que ligadas
CANTO III. g5
Aos novos troncos , receais seu dano»
Ah protegei-os contra as neves frias !
Inspirai ao cultor que abrigue as plantas.
Que o terreno lhes mova , que apertarão
As torrentes das nuvens despedidas.
Benigna Palias, tu, do lugar onde
Se educa o tronco , que adoptaste outrora ,
Para bera dos mortaes benigna afasta
O dente roedor do voraz gado 5
Faze cingir de balsas espinhosas
O viveiro precioso, e lá do Olympo
Protege dos colonos os trabalhos.
E tu, grato dos numes aos favores,
Assiduas attenções, colono , emprega ;
Se da raiz plantada, juntamente
Brotão diversos ramos, pouco a pouco
Cuidadoso os supprime; olhando attenlo
Que o numero excessivo jamais roube
A seve ao que algum dia irá dos campos
96 GEORGICAS.
Povoar a extensão ; e ao mesmo tempo
Alguns conserva , que tolhendo o excesso
Dos suecos no maior , o mal lhe poupem
De hum prematuro augmento , até que o tempo
Lhe dê a firme e lignea consistência.
Não tenhas pois desejo perigoso
De ver em breve os troncos elevados,
Mas espera pacifico, e retira
Os baixos rebentões , quando o mais alto
De todo a mão te encher com que o abraças.
Quando a planta , a final, houver chegado
A huma grossura própria , então desponta
A guia vertical , para que a seve
Aos lados volva , e vá formar os ramos.
Supprime então de todo as mais vergonteas,
Roubadoras de suecos ; bem depressa
Ramos e tronco á proporção chegados,
A infância terminou da arvore tua :
He tempo que ella passe aos largos campos,
CANTO III.
E que nelle5 te pague em riccos fructos
Os assíduos cuidados que lhe deste.
A oliveira vegeta em todo o solo ;
Em extremo vivaz , só se arrecêa
Do frio gelador; he pois o abrigo
Conveniente ao campo onde a plantares.
Sobre o cume escarpado de altos serros
Onde o frigido vento assopra as neves ,
Por mais grato e melhor que seja o solo,
Jamais se elevará verde oliveira.
Rivais do Atlante, vós erguidos montes,
Desabridas montanhas, que vizinhas
Ás densas nuvens provocais os raios.
Ornai as frontes, onde abunda a neve.
De altos pinheiros de robustas copas;
Que Palias , inimiga da aspereza ,
Procura cuidadosa hum doce abrigo ,
E seus dons alardêa com desvelo
9
97
98 GEORGICAS.
Em hum lugar temp'rado, em solo leve,
Nem húmido em excesso , nem ventoso.
A^^òs , oh campos , que regão mansamente
Do pátrio Tejo as aguas abundantes,
Quão pródiga vos foi de seus thesouros
A benéfica Palias ! mas a incúria ,
A fatal ignorância , o abandono
Da cultura das arvores , chamando
A cólera dos ceòs , vestio de luto
Os ramos n' outro tempo productivos.
Semelhantes aos bosques do Cocjto
De verdenegros hórridos cyprestes ,
Tornão-se os olivaes, e os lavradores.
Perdida a esp' rança da colheita ricca.
Do ceo se queixão , e á natura imputão
Hum mal, de que são causa em grande parte.
Tu pois, que tens a esp' rança em teus viveiros
Segura a torna, consultando a arte,
CANTO III. 99
Quando a arvore nova em terra plantas.
Mal que do campo as messes preciosas ,
Das eiras recolheres, dês que a terra
Húmida assaz não resistir qual pedra
Ao ferro que a penetra , as covas abre ,
Que devem receber as novas plantas.
Por longo tempo abertas as conserva
Antes da plantação , para que os raios
De Phebo a parte interna lhes melhorem ,
E a si chamando a terra os elementos
Espalhados no ar e aeriformes,
Combinada com elles, productiva,
Nutriente se tome em vez de estéril.
No diaphano manto, que rodéa
Do globo a superfície, vários gazes
Distinctos vagão, que hum composto formão.
Alli existe o oxygeneo puro , {i5)
Que alenta a combustão, e a vida alenta;
Alli o nltrogeneo azote (26) impuro
1 00 GEORGICAS.
Inimigo da luz e autor da morte;
Producto das matérias decompostas
O carbónico ar (2^7) nocivo habita,
E o ligeiro hydrogeneo (28) ao alto sobe.
Alli se estende a luz em rectos raios,
Be cores os objectos adornando ,
£ o calórico, agente da natura (29),
Igualmente circula na atmosphera.
Envolta em hum ve'o tal existe a terra ,
De vários elementos combinada,
Que a si appropriaudo atres diversos ,
Roubados á atmosphera , que elja toca ,
Vários compostos forma, e de mil modos
A bem dos vegetaes se modifica.
Por isso do terreno a infrior parte,
Em quanto os raios não tocou do dia ,
Nem a massa diaphana dos ares ,
Jamais as plantas nutre , antes ingrata
Qs princípios da vida aos troncos ne^a.
CANTO III. loi
Mas se he preciso abrir com tempo as covas,
He preciso também não ser escasso.
Com a grandeza sua. Sim , ditoso ,
Inda outra vez o digo , sim, ditoso
O tronco , que encontrou entrada fácil
Nas entranhas da terra , e que plantado
Em terreno movido, pode ao longe
Raízes estender sem muito esforço.
Mas sobre tudo, próvidos agricolas,
As covas espaçai, deixai aos ramos
Lugar em que se estendão , sem que formeirV
Pela sua união espessa sombra ,
Concentrando a humidade no terreno ,
E vedando do sói o quente raio ;
De si próprios tornandp-se inimigos,
Assassinando a si , e aos que os rodcao.
NÃo calcules o numero, mas antes
A perfeição das arvores , e alegre
9*^
102 GEOEGICAS.
O olival correrás , quando dos ramos
Te ofFVecer a oliveira , curva ao peso ,
Os grossos feitos bagos abundantes.
Tu, oh sabia Minerva, agora dize
Em que estação convenha ser mudada
Í)o viveiro a oliveira para os campos ,
Tu, dize o tempo, tu ensina o modo.
A Palias escutai ora, oh cultores.
Bem que plantada a arvore vegete
Em qualquer estação , do frio inverno
O sopro gelador , nem os ardores
Devorantes do estio a favorecem.
De huma vida inda débil nos começos ,
Carecendo criar raiz e ramos ,
He do tempo o rigor nocivo á planta.
Quando o sol chega á Libra e manda á terra
Do doce outono os temperados dias :
CANTO 111. io3
Quando BaccLo dos ramos da videira
Faz os cachos pender de cores varias ,
E Pomona os vergéis de fructos c'roa :
Ou quando Flora espalha pelos campos
Do cândido regaço as frescas flores ,
E a verde prisão sua abrindo a rosa,
Pudibunda convida o sopro grato
Dos inconstantes Zephyros lascivos :
Quando as Nymphas dos bosques e as das aguas ,
Deixando as grutas , vem tecer no campo
Mil choréas c'os Faunos amorosos:
Então , oh lavrador , então ao solo
Do teu novo olival confia a esp' rança.
Role o fundo da cova , onde co' a terra
Combine a enxada hum bem cortido adubo ;
Se acaso a greda alli em copia existe
Retendo as aguas, de miúdos seixos
No mais baixo coUoca huma camada.
Sobre o fofo terreno attentamente
io4 GEORGICAS.
Distribue as raízes , que poupadas]
Deverti ser pela mão, que do viveiro
As arvores arranca. Sempre estranhas
Ao contacto do ar, como á seccura,
|*ouco tempo da terra separadas
As raízes conserva , e busca attento ,
Ao cobrir d^ellas, evitar os vácuos
Por onde os próprios suecos se evaporão,
E nos quaes vão formar o seu retiro
Insectos mil , que as capillares tenras
Atacão, roem da mudada planta.
Eu quizera que acima das raízes
Depois de huma camada de terreno ,
Outra de palhas frescas se lançasse,
Para melhor dos suecos nutritivos
A sabida vedar, ligar a terra.
Conservando ás raízes a frescura.
Musa, singelia. Musa , que ao meu lado
CANTO III. io5
Á sombra das florestas recostada ,
Com o nome de Nize docemente
Fazes ouvir ao echo os sons da frauta;
Musa, a quem derão ser, e a quem conservão
Enlaçados amor e a natureza ,
Ah , dobra do meu canto a melodia l
Chegai d'este lugar , vinde oh colonos ,
Do meio d^estas^ arvores frondosas ,
Que entre as nuvens a altiva fronte escondem
Do lado d'este arroio erystallino ,
Que vem de penha em penha murmurando
E de hum continuo orvalho enchendo as plantas ,
Sobre esta verde relva , que malizão
Calyces, (3o) e coroUas de mil cores,
Por entre as quaes se esquiva caprichosa
A leve borboleta, em quanto activa
Abelha, que sussurra, extrahe seu néctar;
D'este throno singello , que a meu lado
Lhe elevou a natura , vinde ouvi-la;
He sim Cybele, he ella quem vos falia.
io6 GEORGICAS.
Antigos torreões, capiteis, fustes
A fronte como outrora não lhe adomão;
Huma c'roa de flores e de fructos ,
De mil tenras folhagens , que tecerão
As Graças ledas , sobre os seus cabellos
Ao vento soltos, hoje se devisa,-
Mollemente na relva reclinada ,
Meio apartado o fino ve'o que a cobre ,
Deixa aos olhos mirar seu lindo seio ;
Seio fecundo, que alimenta os entes!
Que lindas cores, graças, que figuras.
Que producções aos olhos não descobre
O seio desnudado de Cybele !
Vede mil animaes , que em torno a cercão ,
Cada^<jual se desvela era ameigá-la,
Ella a todo^ surri e a todos lança
Carinhosa e s^ave , o olhar materno.
Mas com que extremo, com que expressão doce
A vós a mãi comnium os olhos lança,
A vós , cultores , seus dilectos filhos .'
CANTO III. Í07
« Or.NAi cada v€z mais, ornai meu seio,
Ella vos clama , que aos cuidados grata
Eu juro sempre ser; para instigar-vos
Á industria e ao cuidado fui eu mesma
Quem o meu seio revesti de abrolhos. :
Hoje pois a vós toca, oh filhos caros,
De mais bellos adornos revestir-me.
Ah deixai, deixai erros e phantasmas j
Deixai o luxo, que do orgulho filho ,
Me ultraja e me assassina ,• vãos thesouros
Cessai de procurar , e de arriscar-vos
Aos pVigos e aos trabalhos por colhé-Ios ;
Em mim , em mim tereis com pouco esforço,
Da riqueza real , dos bens a posse.
No regaço da paz e da abundância
Eu vos farei viver , grata aos desvelos
Que praticardes sem cessar comigo. »
Sim , cultores , Cybele assim vos brada.
Avante, avante, que eu jú vejo ao longe
io8 GEORGICAS.
A charrua virando em torno aos troncos
Da oliveira o terreno , e d'este modo
Dobrando a producção. Alem unidas
Ceres e Palias hum terreno habitão;
E em quanto aquella a espiga amadurece,
Esta risonha vai limpando as flores.
Longe dos olivaes , sim longe fuja
A casta Protectora das florestas,
Que se apraz nos terrenos sem cultura.
Não ache no olival movido sempre,
Hum refugio o coelho , que entre o mato
Pode o tiro evitar dos caçadores;
Nem a lebre , que a traz os voos deixa
Do alipede galgo , aqui se esconda.
Em torno ás covas onde a planta cresce ,
Cuidadosos lançai no outono o adubo,
A fim de que do inverno as frias aguas
D'elle impregnem a terra , e cubiçosas
CANTO III. ,^^
As radiculas finas colher possão
Da seve os elementos. Já frondosa
Tejo erguer-se a oliveira nas campinas;
Formão matiz as folhas alvo-verdes
Co' a verde varia cor dos arvoredos ,
E as temas aves mil amantes hjmnos
Knvião té ao ceo d^entre os seus ramos.
Frondoso louro, consagrado ás cVoas
Dos heroes e dos vates, tu altivo
Tronco de Jove, de que outr'ora os ramos
Olympicos triumphos premiavão ,
E vtís, oh cedros , esplendor do Libano ,
Curvai as flechas, que affrontando as nlvens
Ergueis até ao ceo, e reverentes
Adorai a oliveira, que em partilha
A utilidade tem , e a excelsa gloria
ne ornar a mão da paz nos Ceos nascida.
l^oRêM, que vejo ? apenas chega o tempo
jo
lio GEORGICAS.
Dei decotar os ramos ; ignorante
Rústico sem piedade sobe ao tronco ,
Vibra o rijo podão , e prostra as braças
Da arvore infeliz. Em pouco tempo
Cobrem o chão os ramos, largas chagas,
Tyrannas incisões do tronco as veias
As injurias expõem do iroso vento.
De voz privada a miserável planta
Lamentar-se não sabe ; mas sem forças ,
Dilacerada , rota e esvaida ,
Languida cahir deixa as murchas folhas ,
E em vez da producção em que abundava ,
Èm conservar-se contra hum trato duro ,
E em reparar-se os suecos empregando,
Becusa o ricco fructo , e curta vida ,
Que mais longa esperava , infeliz conta.
Pelas excavações da rota casca ,
Pelas fendas dos estalados ramos
A seve se corrompe e se extravasa ;
CANTO III. Ill
Penetra a chuva, a neve se insinua;
Succede a corrupção , as fibras secção,
Os delgados canaes , que a natureza
Para circulação dos vitaes suecos
Por toda a parte havia semeado ,
Aniquilão-se ; alojão-se no lenho
Roedores insectos, sujos vermes.
Mil parasitas (3i) vão roubando as braças;
Tornão-se ena fim os troncos cavernosos.
Nas corruptas profundas cavidades
Da arvore infeliz ao dia fogem
O triste noutibó, o mocho triste,
A coruja severa e taciturna,
O alado mamai filho da noute ;
Alli se alojão mil repliz impuros.
Sem base , sem sustento , eis sopra Eolo ,
E a arvore quebrada cabe por terra.
Até quando , até quando , oh pátria minha
Te verei na indolência sepultada ?
1 1 2 GEORGICAS.
Ate quando huma rústica ignorância ,
Nas mãos tomando da culiura o trato,
Pobres nos tornará e desditosos?
Deixai, oh vós que das sciencias úteis
O dia illuminou, deixai os muros
Das cidades e a luz trazei aos campos.
A idade renovai, feliz idade
Em que o agricultor ganhava aliares;
A idade em que pascendo os seus rebanhos
Em doces versos, em canções sublimes
Espalhavão as luzes os pastores;
Em que os heroes de louro coroados ,
Arando o próprio campo , descansavão.
Entre tanto a ti só, aos nossos filhos.
Se as doçuras de pai o Ceo me guarda ,
Oh Nize minha , votarei meu canto.
Sim por vós , filhos meus , verei hum di<i
Estes ruraes preceitos praticados;
CANTO III. ii5
Proiluclo caro do vigor dos annos;
Eutão cheio de cãs e de venturas ,
Assentado entre vós , qual cedro antigo
Entre as alegres plantas que o rodeio ,
A par da Esposa folgarei de ouvir-vos.
Mas se estas que dictei singelas rimas
A hum só cultor na Pátria despertarem ,
Meu canto bemdirei, serei ditoso.
Ouvi-ME pois de novo , oh lavradores ,
As leis cantar, que os campos férteis tornão ,
E da oliveira productiva o trato.
Em vez de derrotar as plantas vossas ,
Lhes dareis sábios proveitosos cortes.
Entre as braças que a arvore povoâo ,
Sabereis distinguir as que viçosas
De folhas e de fructos se guarnecem ;
As que enfermas , corruptas, ou privadas
Lo contacto do ar , o centro enrcdão ,
Estéreis filhas de huma mfti fecunda ,
11 4 GEORGICAS.
Que o seio maternal sem fiucto esgotão :
Prostre o ferro igualmente os mortos ramos ;
Procurando com tudo , que entre as braças
Regular equilíbrio se conserve.
Para limpar assim as oliyeií^as
Deve evitar-se o regelado inverno ;
Mas logo que modera os seus rigores ,
E antes que a primavera a seve mova ,
O tempo he próprio a semelhante emprego.
O practico vulgar corta sem tino
Obliqua , horizontal, verticalmente;
Deixa pontas e covas; despedaça
Muitas vezes a casca, e racha o lenho.
Cautelloso ao contrario o experto agricola
■ Na direcção do tronco alinha o golpe ,
Co ferro o pule, de unguento o cobre;
A natureza grata aos seus cuidados
Produz a casca, e dentro em pouco espaço.
A pensada ferida cicatriza.
CANTO III. ii5
Se acaso em algum ramo productivo
Da podridão se mostrão os começos ,
O ferro logo a parte enferma escava ,
E da massa benéfica a penetra.
Oh bem haja o colono venturoso
Que aos trabalhos ruraes assim se applica !
Com que doce prazer recolhe os fructos
Das arvores , que a própria mão plantara ?
Com que prazer no ardor do quente estio
Das sombras goza, que elle mesmo eiguêra?
Aos amigos com gosto apresentando
Do seu trabalho o fructo , de algum modo ,
Creador de outros entes , se remonta
Sobre o ser de mortal. Porem he tempo ,
He tempo , oh Nize , de colher o fructo
Da arvore de Palias. Oh colonos.
Deixai da varejão o brutal u^ ,
Que a preguiça consagra ; com seus golpes
O fructo tenro esmaga , fere os ramos ,
Ii6 GEORGICAS.
Os pimpolhos destroe , que prometlião
A futura colheita ; sobre a terra
Dispersa as folhas, nutrição e amparo
De novos rebentões que a natureza
Para fructos, ou braças só destina.
Erguei, plantai, activos lavradores ,
Leves escadas contra o tronco forte j
Subi, colhei cora mão suave os fructos,
E em vez de derrotar a fértil planta.
Poupai os novos bens , que ella vos guarda.
Lançí, oh Musa, por terra a tulha iramunda.
Triste invenção da ignorância crassa ,
Onde barbaras mãos amontoando
A azeitona , co' apanho macerada ,
Nella se atêa com ingente força
Viva fermentação, que sem remédio
O óleo, inda nas drupas (32) , contamina.
Oh vós, que das sciencias e das artes
CANTO III. 117
Arais o campo claro e luminoso ,
Aos cultores formai machinas próprias
Para a prompta extracção de hum puro azeite.
Vós os aliviai nos seus trabalhos ,
Com elles reparti as luzes vossas.
A pátria o pede , a humanidade o manda ;
E se vós surdos sois ás vozes d'ella
A quem terá recurso a humanidade?
CANTO IV.
J A d' eciío em echo mil concertos voão ,
Soando alegres Kymnos pelos valles ,•
Agudos sistros, gaitas sibilantes,
Adufes e pandeiros acorapanlião
Dos coros foliões as ledas vozes.
Sobre o carro , que toldão co' a ramagem
As tenras vides e as torcidas heras,
O Deos de Nysa recostado assoma ;
Sobre a frente galhuda e prazenteira
De parras lhe tremula huma grinalda :
Nas mãos movendo alegremente hum thjrso
Mo GEORGICAS.
Olha de quando era quando a linda Ariadna
Que no carro a par delle recostada ,
De hera e vinha também cingida a testa ,
Com hum meigo surriso lhe responde.
Quatro tigres, perdida a feridade,
Ao jugo presos o seu carro tirão ,
Pelos caprinos Faunos conduzidos.
Precedendo o cortejo o bom Sileno
Mostra risonho o rubicundo rosto ;
Co' a sinistra empunhando a rara clina
Do tardio animal que alegre monta.
Ao lado d'elle o coro das Bacchantes
Em mosqueadas pelles envolvidas ,
Nus os braços, as comas destrançadas,
E nas formosas mãos thyrsos vibrando ,
Ao ar se elevão em continuos saltos.
Pouco depois dos Satyros caprinos
Segue cabriolando a vaga turba ,
Huns fazendo soar torcidos búzios ,
CANTO IV« I
Outros agudas gaitas dissonantes ,
E ao som dos variados instrumentos ,
Era mil alegres saltos vão ferindo
A compasso c'os pés a verde relva.
BiGENiTO Leneo , Evias frementes ,
O-inisparsas Bacchantes , vós galhudos
Capri-saltantes Satyros thyrsigeros
Plantai em nossos campos as videiras,
E ensinai aos de Luso agricultores
Os trabalhos da vinha e os segredos
Da ardente producção dos vossos troncos.
Arrancai das encostas preciosas
O amargo carrasco, o tojo ingrato;
Arrancai a aroeira e o trovisco ,
A urze , a torga , o espinheiro agreste ;
Dos animaes selvagens a morada
Derrotai , destrui ; que em hum tal solo
Das retorcidas cultivadas cepas
Tão mil cachos pender deliciosos.
122 GEORGICAS.
Vós oh rochedos, que de rude mármore
Os bancos ostentais , no seio vosSo
Já de Vulcano se introduz o raio ,
Fulmina o nitro , eis de improviso estala
A calva frente da robusta penha ;
Rolão penhascos desde o cume á falda ,
E a mão da industria de Lenêo as plantas
Faz succeder aos musgos , que vestião
Os áridos penedos descarnados.
Rei dos metaes , a fronte das montanhas
O ferro em mil sentidos rompe e abre.
Penetra o sol o áspero terreno ,
E em breve fértil para Baccho o torna
L\ onde o pólo árctico se eleva
A vinte e cinco gráos , até ao clima
Em que distancia igual a Cynosura
Conserva do zenith e do horizonte, (33)
Espontânea rebenta, vinga e cresce
Com ingente vigor a fértil cepa ;
CANTO IV.* 125
Alli rival das arvores frondosas
Sobe da terra em vigoroso tronco ,
Com vaidade elevando-se nos ares
Ostenta as folhas , e por toda a parte
Aos olhos deixa ver os roxos cachos ;
Porém fora d' alli, ou destinada
O vinho a fornecer , carece a vid-e
De longas attenções e de cuidadt>s ;
Hum abrigo requer ; mais leda folga
Tios montes, que ao nascente expostos ficão,
Ov qi^e ao meio dia a fronte alegres volvem /
Nas encostas porém , que o norte açouta ,
Privada do calor , e combatida
Is'a estação fria, dos gelados ventos
Dos aquilôcs soberbos e ferozes ,
Jamais o doce cacho amadurece :
E em vez de dar a uva hum sueco forte ,
Só produz hum licor aquoso e fraca.
Igualmente nos valles abundantes ,
Onde Baccho p, teçreuo usurpa a Ceres ,
1^4 GEORGICAS.
Jamais a industria colherá bom vinho.
Cresçao fecundas messes nas campinas,
Nas bordas que os ribeiros humedecera;
Nos levantados cumes das montanhas
Elevem-se risonhas as florestas ;
E tu, oh vinha, vem ornar as brandas
As suaves encostas das collinas.
Oh tu , que á terra confiar pretendes
Em própria exposição de Baccho as plantas ,
Em primeiro lugar prepara o solo ;
Pois nunca em hum terreno inculto e duro
Alguma plantação prosperar pode.
Cultores sábios ha que despojando
Do importuno mato a branda encosta
Em montões as raizes seccar deixão
Com o ardor do sol; depois no outono
^^ entregão ás chammas devorantes ,
CANTO IV. ia5
E o terreno cortado co'a charrua y
Das cinzas yegetaes recolhe as parles.
Alli lanção então ténue senteio ,
Lanção cevada, avéa, ou trigo fértil,
Ou adubando a terra , uella crião
Os tuberosos pomos da batata;
Alli também he útil o onobrychis,
E se o solo o permitte, alta luzerna,
Em raizes e em folhas abundante ;
E depois de tratar assim a terra
Os delgados bacellos lhe confiãa.
Sobre o hábil cultor meigo volvendo
Clemente olhar o Ceo , em seus celleiros
Araontoa-se o trigo , em seus lagares
Espumando fermenta hum doce mosto ;
Sob o peso dos pomos sazonados
As arvores as braças vigorosas
Çurvão nos seus vergéis, e nos seus campos
Çí^^ai abundância das folhas da oliveira
ia6 GEORGICAS.
Quasi a dos fructos disputar se atreve.
Vem, Niza, huma aura fresca nos convida
Pelo campo a gyrar, eia corramos
Essa coUina , que hum cultor perito
Ao Deos de Naxo consagrar pretende.
Eu já vejo o terreno preparado
Com' precedentes óptimas culturas;
Em diflfrentes secções vejo os bacellos
Que o podador cortou, depois que o outono
Da vide o fértil páo deixou maduro ;
Os que produzem moscatel fragrante
Cobrem de hum lado a terra , de outro aquelles
Que devem fornecer a malvasia;
De hum lado os que produzem roxos cachos
Próprios a dar a cor ao mosto puro ,
Do outro os da uva branca delicada ;
Todos cortados em robustas plantas ,
Que fecundas, bons fructos tenhão dado.
GANTO ly. 127
De tosca pedra vê os baixos muros
Que em socalcos cortando a longa encosta ,
Sostem com arte as adubadas terras,-
As longas ruas ao cordão abertas
Parecem convidar os úteis carros
Que ainda hum dia da cultura em premio
A vindima ao la^ar conduzir devem.
Contempla toda a encosta, que movida
Até ap fundo, promover parece
Da delgada raiz o crescimento.
La no cume, que o sol no extremo occaso
Doura c'o derradeiro de seus raios,
\ê a parte da terra destinada
As cepas a nutrir de cachos brancos ,
Mais do que as outras cepas vigorosas,
E que sempre mais tarde amadurecem ;
Na falda da collina , que mais fértil
Tornão as aguas do chuvoso inverno,
Já marcado ao cordão devisa o solo
ia8 GEORGICAS.
Destinado a nutrir os roxos cacho» ,
As espécies mimosas e as que excedem
Todas as mais em saborosos suecos.
A divisão geral preside a ordem ,
A ordem mãi do gozo e da belleza ,
E foco principal da utilidade.
Aqui dos bosques a nociva sombra
De Baccho ás plantas o calor não veda ,
Nem dos rios e charcos os vapores
A delicada florescência àttacão.
Parai oh ventos , respeitai os tenros
Delicados pimpolhos, e vós neves,
Ah não cresteis do agricola a esp' rança !
Benigno olhar do facho do universo ,
Luz fecundante , amor da natureza
Propicio a hum solo tal teus raios manda !
Já tem findado o ardor do quente estio ;
Já de Latona o filho o carro avança
CANTO IV. jig
Na sétima porção do gyro inteiro ,
Onde a sagrada Themis tem pendente
A balança fiel no recto braço ;
Já de Ceres os dons ha muito guarda
Sob o tecto o colono recolhidos ,
E a terra fresca e húmida convida
Do vinhateiro próvido os trabalhos.
Vinde, que he tempo de entregar ao solo
As plantas de Lenêo. Já de echo em echo
Da enxada retinnindo os golpes voão ,
Abrem-se a fundo as alinhadas valias ,
E de huraa em outra cahe movida a terra ,
Sobre os longos sarmentos (34) já dispostos^
Mas i^o terreno duro e pedregoso
O ferro agudo vai abrindo as covas ,
Em que a mão os bacellos deposita
Da terra vegetal o vácuo enchendo ;
£ se hum dia a charrua passar deve
Por entre as cepas , sempre impróprio trato ^
i3o GEORGICAS.
£in espaçadas covas logo as plantí^^
Com hum numero grande de bacellos
A fértil terra providente occupa,
A fim de moderar-lhes o sustento ;
Deixa ao contrario entre estes grande espaço
Quando hum terreno magro e pouco fértil
Com escassez a seve lhes ministra.
Se acaso a cepa remontando aos ares
Deve desenvolver extensos ramos
Carece então de mor profundidade,
Para que a proporção sempre conservem
As raizes no chão , no ar co' as braças.
Desta maneira o agricultor experto
De Bíiccho as plantas ao terreno entrega ;
Desta arte lhe confia as tenras vides
Cujos cachos mais tarde fermentando ,
A origem são do néctar espumoso,
Do ardente alcohol (35) , que por activo
Çe sp'rito usurpa impropriamente o nome;
CANTO IV. iDi
Netítar , que da razão as luzes frouxas
De lodo apaga, e dos signaes de vida ,
E do vigor os fortes membros priva ,
Se do uso delle o homem não modera
Vergonhoso appetite. Autor funesto
De desordens, de crimes, que excitando
A cólera e furor , em feras torna •
Os míseros raortaes, a quem provoca.
Mas se a prudência o torpe abuso impede,
Do velho curvo c' os pesados annos
Kos frios membros o calor renova ,
Anima o braço , que volvendo a terra ,
Já de suor banhado desfalece,
E reluzindo nas douradas taças.
Nos limpidos crystaes puro brilhando
Doce alegria e bum prazer honesto
Nos alegres banquetes insinua.
D'elle escudado o viajante aíTronla
Da Zembla os gelos, ou as ondas turvas
Do procçUoso reino Neptunino.
lòi GEORGICAS.
Riqueza do que habita hum solo impróprio
As colheitas de Ceres , commutada
Em farinhosos grãos traz a abundância
A hum paiz sem seus dons inhabitavel.
Oh sábio creador da natureza ,
Entre mil pToducções , huma somente
Inútil se não vê nas obras tuas ;
E se o vicio fatal de tudo abusa ,
Sejão ao vicio os damnos imputados !
Ttr pois , que tens plantado as brandas vides ,
Vem os modos ouvir de cultivá-las. \
Yarião como os sitios as maneiras
De amanhar de Lenêo as férteis plantas,
N'huns paizes levanta-se a videira
As arvores unida, já cingindo
Co' as pampinosas braças alto olmeiro,
Já o tremulo chopo , a amendoeira ,
Já a amoreira de sanguineos fructos.
CANTO IV. i33
Entre a ramagem dos frondosos troncos
Enlaça a vinha os ramos , de huns a outros
Mil vistosos festões de hum verde alegre
Pendem áquem , e alem; os áureos cachos
Suspensos variamente ao mesmo tempo
Desafião o gosto , e a vista encantão.
Taes de Naxo as collinas nos pintarão ,
Acesos em furor dithyrambifico ,
Os sectários do filho de Semeie;
Taes as tem a fecunda Lombardia ,
Das Gallias parte, parte das Ilespanhas,
E a Lusa provincia trans-dourana.
Vós porém , oh do Douro arrebatado
Margens, do padre Emonio tão prezadas,
Vós collinas vizinhas ás correntes
Do Zêzere e do Tejo soberano ,
Vós oh campos, que lava o Guadiana ,
A baxa vinha cultivais ditosos.
\2
134 GEORGICAS.
Ha paizes também, onde da cepa
Mais elevada os alongados ramos
Sustenlãò mortos páos entrelaçados;
Outros aonde a planta vigorosa
Cada anno floresce em muitas varas j
Outros em fim aonde junto á terra
Humilde pelo chão quasi se arrastra.
Feliz o vinhateiro, que iustruido
Dos principios da arte em que se emprega j
Sabe experto escolher ao seu terreno
Que espécie de cultura mais convenha;
Musa, tu que me ligas com cadéas
De rosas e de flores ao trabalho ,
Tu me apresenta as leis , que a natureza
Na formação do fructo da videira
Constante segue. Ouvi-me agricultores ,
E do que a Musa minha expor pretende
Fazei a applicação ás plantas vossas.
GÀNTO IV. lU
O raio , que de Phebo luniinoso
Sobre o terreno cahe , trazendo a elle
A luz com o calor, pelo terreno
Para a planta , que nutre , he reflectido ;
{) do calor reflexo a força excede
A do raio que vem direito á planta ;
Por isso quanto mais próxima á terra ,
Sem aos ares subir, seus fructos nutre,
Tanto mais em seu fructo o calor obra.
Da Lybia nos desertos arenosos,
Onde ruge o Leão , onde exercita
O tigre a tyrannia sanguinosa ,
Do alvo chão, que hum sol ardente exhaure,
Reflectido o calor com força ingente
Das arvores abrasa as verdes folhas ,
Tornando tudo em cinza , e tudo em fogo.
Em toda a parte a próvida natura.
Mal os entes creou, proveo-os de órgãos
Por onde a vida e os suecos lhes ministra.
i36 GEORGICAS.
A planta, que adherente existe á terra.
Pelos poros da casca ^ pelas folhas,
Como pelas raizes, se alimenta;
E tanto mais frondosa ella se estende
Tanto mais suecos distribue aos fructos ,
Que pendem de seus ramos vigorosos.
Aquelle que recolhe pois os cachos
Em clima frio , ou em terreno fértil ,
Onde ou falta o calor, ou cresce a seve,
Deve sempre ao terreno quanto possa
Das suas cepas attrahir os ramos.
Ao contrario o que planta em hum terreno
Magro e pobre, ou em que hum sol ardente
Da sua planta as verdes folhas cresta ,
Deve a vinha altear, e até aos troncos
Permittír-lhe que eleve ousada as vides.
Se quizermos a vinha ver vingada ,
po bacello plantado com desvelo
CANTO IV. 107
Ao ignorante a poda não deixemos.
Dês que a folha cahio das mortas varas ,
Dês que a seve sumiudo-se não corre
Das braças pelos vasos, com prudência
Das mesmas braças amputemos parte.
A tenra planta , que na terra conta
Hum anno apenas , nada mais se deixe
Que o rebentão mais próximo ao terreno ,
E a hum só olho ainda o limitemos.
Em a poda seguiute duas hasteas
Se podem já deixar á joven planta ,
Sem com tudo abusar das forças suas ;
Fouco a pouco passando á adolescência
Cada vide nutrir mais olhos pode.
Eis formada a final do Baccho a cepa ,
Já cresce vigorosa , e já promette
Ao vinhateiro activo a recompensa :
Ah praza ao Ceo que o vinhateiro avaro
Nunca se esqueça de poupar-lhe as forças !
12*
i38 GEORGICAS.
De outra maneira exhausta em poucos ânuos ,
Decrépita, infeliz , em justa pena
Hade negar-lhe para spmpre os fructos ;
JNem lhe esqueça jamais deixar em baixo
Com prudência o fiel , que em qualquer caso
Pode a cepa supprxr, que desfalece.
O fluido , que nutre as varias partes
Í)o todo o vegetal, a láctea seve
Quanto mais em seu curso he demorada.
Tanto mai^ se prepara e se elabora;
Tendendo sempre a soccorrer os cumes
Apressada da ba&e ás pontas sobe ,
E alli rebentar faz espessas folhas,
Que mais e mais a marcha lhe promovem :
Para p fim de detê-la , e dirigi-la
Os cachos a nutrir, o vinhateiro
Da cepa, que podou, as braças curva.
O junco dos terrenos pantanosos ,
O brando vime, que elle retorcera
CANTO IV. i39
Lhe fornece as prisões ; ora curvando
A só vara que existe , á mesma cepa
Quasi em circulo a liga; ora a retorce
Na lança , que entrar vai depois na terra '^
Mas se a cada videira tem deixado
Duas varas fructiferas, enlaça
A hum só esteio as de dobradas plantas,
E a vinha inteira d' esta sorte ordena
Em alinhados renques , igualmente
Gratos á vista, e próprios á cultura.
Mas baldado he podar, empar as cepas,
Os golpes alizar, despir os ramos
Das parasitas , que a substancia roubão ,
Se do terreno onde as raizes morão
Incautos desprezamos a cultura.
Nos paizes ditosos , que povoão
Colonos mil , que do trabalho e industria
Tirão contentes próvida abundância ,
Três vezçs de Lenêo em torno ás plantas
i4o GEORGICAS.
He no gyro annual bulida a terra.
Nunca depois das chuvas copiosas.
Antes que a humidade se evapore j
Nem quando o Ceo das nuvens denegridas.
Soltar promette rápidas torrentes ,
Que do cultor mallogrem os trabalhos.
Da encosta não convém na inPrior parte
A cava começar , com ella a que'da
Das terras pouco a pouco se promove;
Cumpre porém puxar transversalmente
O terreno cortado pela enxada;
Cumpre, se acaso o solo se acha exhauslo,
Distribuir-lhe avaro hum próprio adubo
£m terra vegetal já transformado.
As folhas, que arrendara o critocephalo ,
Ou as em que se aloja o rinomacer,
Quanto he útil colher para queimá-las
Fora da vinha; quanto , amontoando
CANTO IV. 1/0
O mal cortido estiuine, armar ciladas
Ao escarbeo imigo das raízes,
Ou com montões de pedra pela calma
Attrahir cuidadoso o lento coclilea ,
E de seus damnos preservar as vinhas!
Quanto he útil supprir com mergulhias
Por huma nova cepa a cepa enferma ,
Quanto em fim converter com bom enxerto
A espécie má em outra proveitosa.
Mas já vejo pender pesados cachos
Das ferieis vides; já de cor mudando.
Pardo do mesmo cacho o pé se torna ,
E diaphana pelle envolve o bago,
Cheio de hum sueco grato e glulinoso :
"Vinde, oh vindimadores, vinde, he tempo,
Antes que o ceo torrentes despenhando
Das férteis cepas damnifique os fructos.
Os leves cestos, jovens camponezas,
Nos braços enfíai, trazei tesouras,
i42 GEOllGICAS.
Ou cortantes navalhas; já surrindo
O Outono de pomos coroado
Vem trazendo os trabalhos da vindima.
Buscai, vindimadores, que sereno,
Livre de nuvens se apresente o dia ;
E sem ps offender, entre os mais cachos
Attentos escolhei os bem maduros.
Feliz o agricultor, que tem lagares
A vinha unidos, e que pode a elles
A uva transportar intacta e limpa j
Mas se a distancia obriga a usar do carrp ,
Seja o transporte feito com cuidado;
Evite-se o pizar, calcar as uvas ,
E sobre tudo o misturar os bagos
Podres e mal maduros , na vindima.
Ja vejo d'entre ps muros das cidades
Surgirem os inertes habitantes
Que os trabalhos do campo ao campo chamão ^
^ CANTO IV. 143
Onde alegria festival preside.
Vem , minha Nize , vem , guarnece a negra
Madeixa de grinaldas pampinosas.
Que eu também de hera a minha frente enramo;
Entremos nestes coros, que festivos
Ao som das gaitas dos pastores ledos
Cantão do padre Emonio altos louvores;
Porem que vivo ardor me assalta a mente?
He elle , he élle , o Thyonêo sagrado
Que ensina as suas leis aos lavradores !
Oh como nas encostas das collinas
Aos echos voão mil festivos cantos .'
Mil hymnos de prazer vão repetindo
De valle em valle as grutas sonorosas I
Que operação sublime me encarregas
De pintar oh Lenêo? Antes de rota
Do bago a pelle, começar não pode
O succó a fermentar; por isso a uva
Deve ser compriinidá, e d'esta sorte
A vinificação cónvem dispô-la»
i44 GEORGICAS;
Lembra-me agora , oh Musa , os resultados
D'este processo , e como as partes todas
Em geral movimento a hum fim conspirão ;
A sahida do gaz forte e assassino, (56)
A formação do alc'ol leve e ardente ,
A do liquido roxo e colorante,
Que na pelle reside , (5'j) o calor forte, (58)
Que livre sahe da cuba, e d' este modo
Deixa ver ao cultor como lhe he fácil
Reprimir , excitar , e ao seu intento
Conduzir toda a massa fermentante.
Calcada e dividida a massa toda,
Começa a natureza o seu trabalho ;
D'affinidade ás leis obedecendo , (Sg)
Da vinificação entra o processo.
Começa o gaz carbónico a apartar-se
Do liquido , que espuma e que se turva j
O calor livre faz sentir a força ;
O tártaro , da cuba nas paredes ,
CANTO IV. 145
E no fundo tenaz se precipita; (4o)
Decompõe-se o assucar^ e formado
O alcohol apparece, e da corada
Pcllicula do bago extrahe o sueco
Resinoso, que a côr do vinho encerra. (4i)
Mas para que feliz e própria seja
Toda a fermentação , sao necessárias
Varias combinações, diversos meios:
Que o lugar onde a cuba o mosto encerra
De dez a quinze gráos em calor chegue j
Que o principio suave e assucarado
Cos saes e a agua a proporção conserve.
Por isso o agricultor, que encontra a uoso
Em excesso o seu mosto , ou u'elle lança
O assucar, que lhe falta , ou sobre o fogo
Huma parte concentra e forma arrobe ,
Com que experto tempera e adoça o todo;
Mas se ao contrario, em demazia espesso
Se mostra o sueco , a ponto que resista
i3
i46 GEORGICAS.
A fermentação lenta , convém de agua
Juntar-lhe huma porção , que o tome liquido;
Com taes cautelas só , com tães trabalhes
Os licores de Emonio se preparão.
Porem se he teu intefnto que ao abri-lo
Te salte o forte vinho em branca espuma ,
Antes que o gaz carbónico se exhale ,
Do contacto do ar ligeiro o priva,
E em toneis bem tapados o encarcera;
Mas para este fim prudente escolhe
O mosto, que fermenta com lenturá,
E que de alcohol e gazes não abunda.
Se cubicas hum vinho licoroso.
Na doçura rival do mel do Hjmelto,
Antes de o fermentar, o louro cacho',
Ou torcendo-lhe o pe' preso á videira ,
Ou em pranchas expondo-o, ao sói o passa,
E se no licor teu prezas e buscas
CANTO IV. i47
A intensidaíle em cor e hum sabor forte,
Só da cuba o retirji quando cesse
Toda a fermentação tumultuosa.
Sob a potente vigorosa imprensa
Te' á ultima gotta extrahe o sueco
Purpurino da pelle delicada.
Ha cultores, que os baixos, separados
Do engaço, á cuba lanção, e assim deve
Obrar o que prepara bum vinho doce;
Porem o que o destina ao alambique,
E aquelle que pertende çom p sueco
Acerbo dos en^^aços de algum modo
Modificar a insipidez do mosto,
Desengaçar as uvas jamais deve.
Mas já nos bons toneis sendo encerrado.
Se apura o vinho com trabalho lento ,
E huma fermentação tranquilla e longa,
pepois he que o cultor separar deve
i48 GEORGICAS,
Da lia immunda o sueco limpo e puro
Priva)- este do ar, do calor forte,
E cm rolhada garrafa em fim fechá-lo.
ry^
Assaz temos cantado , Musa , he tempo
De terminar de Emouio o longo trato;
Agora empunha a ricca taça de ouro,
E enchendo-a de vinho, alegre a liba
Em honra do cultor industrioso ,
Para quem desvelada , sãos preceitos
Das florestas á sombra tens cantado,
Das floresta?, que outr'ora em brandos versos
Doces hyranos a Amor de ti ouvirão.
•^«^V«/«liX/V«/V^ ^^^.■^^•«/«/v^/^^
CANTO V
AiMANTES da fecunda natureza,
Oh vós, que longe da ambição e orgulho,
A maneira dos pais da raça humana ,
Folgais de cultivar os seus thesouros ,
E tu, querida parte da minha alma.
Tu , que ate' agora me inspiraste , em quanto
Os próvidos cuidados da natura
Satisfeito cantei , ah vinde , vinde
Comigo celebrá-la, e engrandecê-la.
i5o GEORGICAS.
Cantado temos com que lei , com que ordem
A terra da atmosphera attrahe os suecos ,
Como embebe em si mesma o gordo adubo ,
As aguas, os orvalhos, e os transmitle
A planta , que nos órgãos os prepara ,
E na seve os converte que a sustenta.
Temos visto também por que maneira ,
A lei geral da morte obedecendo,
O vegetal na terra decomposto ,
Para outros nutrir hábil a torna.
Mas não bastava só que a verde planta
D'outra planta a existência preparasse ;
Não bastava da luz que exposta aos raios ,
Fonte de vida para novos entes ,
De ar vital derramasse na atmosphera
Hum benéfico orvalho , a si chamando
Dos mephiticos gazes o veneno ;
Era preciso ainda , oh Mãi sublime ,
Para c'roar tua obra inimitável ,
Que o sueco vegetal na mesma planta ,
CANTO V. i5i
Tornando-se concreto , produzisse
Caules, raizes, flores, folha e fructos;
Que aos animaes servindo de sustento ,
Por eUes novamente comniutados ,
A bem tornassem da nascente planta ;
E que outros inda a enriquecer tendessem
Dos mineraes o reino inanimado.
Era preciso encadear os entes
De tal maneira , que as ruinas d'este
A vida e o vigor fossem d'aquelle ;
E que a matéria sempre decomposta ,
E novamente sempre se compondo ,
Vivificasse a face do universo :
As aguas semelhante , que no immenso
Lago do oceano c'o calor tornadas
Em vapor leve , so,bre os altos montes ,
Condensadas do ar se precipitão ,
E dalli em torrentes, em ribeiros.
Em fontes de crystal e arroios mansos
Novamente ao geral tanque se arrojão.
i5i GEORGICAS.
Musa , de huma tal mestra grata alumna ,
Agora aos teus iguaes , aos lavradores
Vem cantar o cuidado das manadas,
E ao pastor , que modula a Ijranda írauta ,
Qual o trato preciso aos seus rebanhos.
Oh tu, Nume do Pindo! oh tu, que outr'ora
Guiaste a idade de ouro entre os pastores,
líá do alto agora da elevada esphera,
Onde reges o carro adamantino ,
Na mente hum vivo raio me dardeja.
Presta-me , oh sacro Pan , a branda frauta ;
Vós, Nymphas, que do Zêzere as correntes
Benignas protegeis, e as margens frias.
Onde encontrei hum termo aos meus desejos >
De hum amigo fiel pelos desvelos ,
Se vós me grangeastes tal thesouro ,
Iluma voz me prestai , que fazer possa
Eterno o nome seu, e o vosso nome*
CANTO V. l55
Entremos n'esse reino numeroso,
De que o homem, qual rei, o sceptro empunha
E pai a o ajudar em seus trabalhos
Dos animaes a força aproveitemos.
Tire o boi , o cavallo o nobre peso
Da cortante charrua; nas campinas
Pascendo a mansa ovelha adube os campos;
Em quanto nos outeiros atrepando
À cabra roedora , já co' as crias ,
Já com o branco leite nos preméa.
Ah! quando chegarão a ver meus olhos
Os cultores de Luso na abundância?
Quando verei os campos, que ora cobrem
Moitas selvagens, mil inúteis plantas ,
Em verdejantes prados convertidos,
Apresentar a face da riqueza ,
Da cuidada fecunda ag- icultura ,
Do corpo social vigor e nervo? '
1 54 GEQllGICAS.
Surgi da molle incúria, agricultores j^
Sarjai esses terrenos pantanosos ,
Onde ora crescem juncos e espadanas :
O trevo lhes lançai, lançai-lhes gramas,
Que apenas cultivais em curto espaço j
Cobri , cobri os áridos outeiros
Do onohrjchis c'o germe productivo ,
E os terrenos mais frescos co' a luzerna ;
Então, e então ómente , em vosso aprisco
O gado abundará; então somente
Nos curraes entrarão gordos novilhos ,
Após as fortes mais , ledos brincando ;
Somente então as crinas sacudindo,
Leves cavallos rincharão nos campos;
Somente então em vez da magra fome
Off'recerão ditosas as aldêas
A face do prazer e da abundância.
Só produz o terreno cultivado :
He sem gado impossivel a cultura,
E o gado nutrir só prados podem.
CANTO V. io5
Tu pois , que o nobre emprego tens eril sorte
De cultivar a terra, attento cuida
Pastagens em formar. Duas espécies
Hu de. prados : n'huns d'estes a natura
Per si mesma produz as verdes plantas;
Porém se á arte a ajuda , se nos baixos
È quasi pantanosos, valias abre,
Se terra alli conduz para elevá-los ,
Se os grãos , que dos palheiros se retirãò ,
Cuidadosa alli lança ; oh que vantajem
Produzirá trabalho tão pequeno !
São comtudo estes prados infriorcs
Aos altos e elevados , onde as hervaS
Menos aquosas são, mais nutrientes,
E sempre para os gados mais saudáveis.
Muito melhor, se a industria formar soube
Nos sitios elevados providente
Reservatórios de agua^ que no estio
Matem a sede ás abrasadas plantas ;
Alli também convém de quando em quando
i56 GEORGICAS.
Dos bons fenos lançar os grãos fecundos ;
Distribuir de quando em quando adubos ;
As moutas arrancar e toda a planta ,
Que ou com os ramos seus suíFoca as Ijervas,
Ou com a sombra espessa as damnifica;
No contorno formar vallados fortes.
Que prohibão a entrada dos rebanhos
Nas épocas não próprias ; seja quando
Hervas que para feno se destinão ,
Na sua florescência são cortadas ;
Seja depois das chuvas copiosas,
Quando com as pisadas , o chão moUe
Se tornar desigual : com taes desvelos
Os prados naturaes bom pasto crião.
De prados taes , das suas hervas finas
Criadas pelas terras que descansão,
Ligeiros poldros bellos se alimentão;
São ellas as que mais convém á ovelha,
E com pastagens taes os fortes touros
CANTO V. t5
Bem como as vaccas, tonião-se melhores.
Alem dos úteis prados, que a natura
Por si mesma produz , formar-se devem
Prados feitos com arte e filhos d'el]a;
Já plantando a luzerna succulenta ,
Já com o trevo as terras alternando,
Já a couve dispondo alta e ramosa :
Nem deixarei ficar no esquecimento
A fresca pimpinella, que resiste
Aos rigores do inverno , e que se cria
Ainda nos terrenos menos férteis.
Mas já correr deviso nas campinas
O formoso animal, que abrindo a terra,
Chum golpe de tridente, á luz do dia
Deo das ondas o Nume soberano.
Tu, conquista completa dos humanos,
Cavallo dócil, vivo, activo e forte.
Dos quadrúpedes rei pela elegância ;
1 ;
i58 GEORGICAS.
Em quem da escravidão não pode o jugo
Destruir o valor, manchar a audácia.
Aqui cheio de pó e branca espuma,
Salpicado de sangue , hórrido eslrago
Debalde te rodêa , arremessando
O peito aos p'rigos, o clarim da gloria,
O retinnir das ariíias mais te animão :
Intrépido a aíFrontar a morte voas ,
Com teu senhor os louros repartindo.
Aqui por entre as lanças te arremessas,
Alli ouves zunir de Marte o raio;
Mas no centro do horror submisso e docil.
Da mão, que te conduz , a lei procuras.
Erguido o coUo , as ondeadas clinas
Soltas vaidoso ao ar , o freio mordes
Com orgulhosa audácia , e o chão que pisas
Com aligeira planta apenas tocas,
Quando da paz serena no regaço
Em nobres jogos teu senhor conduzes.
Alem, ao peitoral lançando o peito
CANTO y. 139
Com ligeireza e brio ufano arrastras
Das bellas Nyraphas os dourados carros.
Mais baixa a frente, menos leve o passo,
Preso á charrua traças ao colono
O productivo rego , ou com a grade
Cobres o grão fecundo , ou por ni,il modos
Ao lavrador úteis serviços fazes.
Companheiro do heroe em seus combates,
Servo do cidadão nos seus prazeres ,
D' alta pompa dos grandes lustre e ornato ,
Alivio do cultor em seus trabalhos,
A toda a parte teu serviço estendes ;
Do homem para o bem , yiver só sabes ;
Ao homem pois reconhecer-te importa,
Se perfeito deseja possuir-te.
Vários climas fornecem raças varias.
Que produzem cruzadas bello efíeito ,
Iluma de outra os defeitos corrigindo.
Tu , oh Árabe errante , tu possues
i6o GEORGICAS.
De bons cavallos a mais bella espécie;
Só tu do cruzamento não careces ;
Maiores são os teus , são mais nervosos ,
Mais leves, mais ardentes. Tu, Marrocos,
Apresentas vaidosa os mais prestantes
Cavallos que produz a Barbaria ,
Que as bervas nutrem do nevoso Atlante,
Com os quaes fez de Dido outr ora a gente
D' Águia Romana atraz volver os voos.
O encurvado collo , a fina orelha ,
A agulha levantada , a fronte bella ,
A chata espadoa, a vigorosa perna ,
A rápida carreira, o génio dócil.
São dotes , que a natura em grande copia
Sobre elles derramou. A nobre Hespanha
O cavallo Andaluz soberba mostra ;
N'elle o guerreiro satisfeito encontra
A intrepidez , o orgulho , a ligeireza ,
O olhar fogoso ; a nenhum outro cede
O cavallo Andaluz, belleza e graça
CANTO V. idi
Própria da pompa, e dos equestres jogos.
Tu Anglo corredor, que te asf^nielhas
Ao bcUissimo Árabe, as fadigas
Isão te fazem tremer. Oh caçadores ,
Taes cavallos buscai , que o raio imitão
Na carreira veloz ; mas a natura ,
Que a força e que o vigor lhes deo em dote,
Mais avara com elles foi de graça ,
De flexibilidade e tacto fino.
O Bretão , o Normando , e os que apascentao
De Nápoles os campos, para o tiro
Propriissimos são, e com vantajem
Os prendem á charrua os lavradores.
Tu , oh Dinamarquez , raio da guerra ,
Singular pela cor; Germano forte,
Mas pesado e sem folgo; Húngaro activo,
De quem o ferro agudo as ventas rasga ;
Frizão, que nobremente os canos tiras;
Tártaro infatigável, duro em tempVa,
Na forma esguio e de elevadas pernas-;
,4*
i6'2 GEORGICAS.
Tu Islandio a fmal , pequeno e feio ,
Afeito ao clima duro , que no inverno
De espesso, longo pello te revestes;
Não sereis, esquecidos no meu canto.
Próprios aos vossos climas e terrenos ,
A vossa imperfeição tç certo ponto
O cruzamento emenda ; porem nunca
Os paizes de frio e de humidade
Vos produzem iguaes aos dos paizes
Mais quentes, inaquosos e elevados.
Tu pois, oh lavrador, que em abundância.
Prados possues e fecundos campos ,
Forma de boas éguas as manadas,
E com próprios cavallos as fecunda.
De emproada cabeça , coUo airoso
De largos peitos, tendo ao menos visto»
Três gyros annuaes do sol luzente,
A procrear , as éguas são dispostas ,
E aos seis annos mui próprio he o cavallo.
CANTO V. i63
Porém a escolha d' este he mais cjue tudo
A períeição das raças necessária ;
Hum corpo grande, vigoroso e forte,
A queixada pequena, o olhar vivo ,
Convexa a fronte hum pouco , a orelha fina ,
Macio pello, avantajado peito.
Garupa larga , levantada agulha ,
A canella delgada , a junta movei,
A quartella não longa, o casco unido,
Lúcido e negro , chammejantçs olhos ,
Mobilidade , graça , génio docil ,
São para a boa escolha os caracteres.
Por tão perfeitos pais sendo cobertas,
Podem as éguas dar perfeitos filhos.
Porem da égua gravida desvia
Os p'rigos e os trabalhos ; separada
Deve andar dos cavallos , e d'aquellas
Que aliraentão os filhos^ ou que livres
Folgão de exercitar-se em leves saltos;
i64 GEORGICAS.
Mas ao poldro nascido a liberdade
Mais que tudo convfem ; convem-lhe era torno
Da mãi brincar pelos viçosos campos,
E depois de seis mezes , quando o tempo
Chega de o desmamar, a branda sêmea,
O soro , as farináceas mucilagens ,
A herva tenra alimentá-lo devem.
A coberto no inverno em curral próprio
Deve as noutes passar; mas sem cadêas,
E a par dos seus iguaes em liberdade;
Para que em fim, chegado ao quarto anno,
Ou ao quinto, comece os seus trabalhos.
Na o menos attenção empregar deve
Na educação do boi , como na escolha
Dos touros para pais , o que possue
Das vaccas as manadas , que em mil modos
Os trabalhos, que exigem , gratificão.
Eu não descrevo aquella raça indócil
Imagení do furor , terror dos campos.,
CANTO V. iG5
Que negando-se ao jugo e ao trabalho ,
Serve apenas de bárbaro recreio
Aos poucos povos , que entre o horror e a morte
Com hum bruto feroz inda hoje estimão
Loucos medir-se em desigual peleja.
Intento só pintar aos lavradores ^
Do pacifico boi , próprio á cultura ,
Qual deva ser a educação e o trato.
Oh tu , que ver desejas bons novilhos
Entrar no curral teu , pastagens busca
Altas e seccas; para mãi escolhe
De pequena cabeça e corno breve ,
De vivo olhar , de larga espadoa e peito ,
De collo grosso e dilatado bojo
A criadora vacca, e lá no tempo
Em que ella dá mugidos amorosos ,
Na florente estação , então a entrega
Ao seu soberbo amante , o qual ter deve
Três , até nove annos : com firmeza
i66 GEORGICAS.
Visar os campos , levantando airoso
Hum coUo grosso , huma cabeça breve
JDe negras , curtas armas acjornada :
Sobre os joelhos seus pender devisq
Solta papada do robusto peito ;
Entre asxarnudas pernas vigorosas
Lhe desce aW ao solo a longa cauda ,
E em quanto c'o mugido os ares fere,
Dos negros olhos flammas lhe chammejão.
De outro rival a vista lhe embaraça,
Se não queres no campo atroz peleja.
Dk ciunje incendido, quantas vezes
O soberbo animal o imigo busca,
Olha-o de longe, e com a mão potente
Em torbilhõe^ da terra o pó levanta ;
Muge , ameaça , e qual o ardente raio ,
Fero procura a singular peleja !
Já as frontes comigeras se encontrão;
Já a ponta o cpntrçino ^il^^cera;
CANTO V. i6^
Urros de dor, mugidos de vingança
Já temerosos echos mil repetem ;
Em borbotões na terra o sangue corre ;
Raiva e ciúme os animaes respirào.
Mas o vencido, em pó e em sangue envòlló ^
Perdida a força , extincta quasi a vida ,
Ao contrario a final cede a victoria :
E em quanto com o collo levantado ,
Este soberbo a recompensa busca,
Co' a fronte baixa, com o olhar em foço,
O vencido dos campos triste foge ,
E só , entre os remotos fundos valles
Occulta o opprobrio , e a vingança estuda.
Vingança sanguinosa, em que embebido
O animal se nutre, contra os troncos
Já a ensaiar começa o corno agudo ,
E parte em lascas o ferido lenho.
As forças e o vigor em fim restaura ,
Renova-se-lhe a raiva , e já bramindo
Corre ás planícies, e o rival procura.
i68 GEORGICAS.
Taes do prazer o instincto, e seus eflfeitos
São entre os animaes ; e se desejas
Prevenir os desastres , separados
Traze os de sexo vario. As éguas pastem
N'huni sitio, as vaccas noutro, áquem os touros
Os cavallos alem ; pois de outra sorte
Na estação dos amores , o ciúme
Estrago ha-de fazer, e fracos filhos
A mai produzirá, que fecundara
Hum vencedor no próprio sangue tinto.
Mas já contêm no ventre a vacca prenhe
Do criador a esp' rança e a riqueza ,
Que deve o objecto ser de seus cuidados.
Defende-a das injurias da atmosphera,
Dos grandes frios , do calor ardente ,
Das copiosas chuvas ; seu trabalho
Modera por extremo , e d*ella aparta
Quanto possa feri-la, e incommodá-la;
Mais que nunca bons fenos lhe ministra ,
CANTO V. 169
Cu raízes , ou hervas nutrientes ;
Ate' que tendo nove mezes findos ,
Para parir a cama lhe prepara
Era hum próprio curral com brandas folhas ;
E pouco a pouco a restitue aos pastos ,
Ao trabalho a final , e á liberdade.
Nos princípios a cria em quente abrigo
Vigilante conserva, e com prudência
Cinco ou seis dias tão somente a teta
Lhe ministra da mãi a horas dadas ,
A fim que a mesma mãi se não esgote.
Quatro m.ezes ao menos mamar deve
O novilho, que ao jugo he destinado,
E com hervagens tenras, com bons fenos,
Com sêmeas, com raízes pouco a pouco
Cuidadoso procura desmamá-lo.
Quando o rigor vier do frio inverno
Pouco tempo nos campos o demora ;
Tarde deixe o curral, n elle entre cedo.
i5
ifo GEÒPiGICAà.
Para manso o tornar jártiais te esqtiedá
Manear-lhe os aillda curtos cornos,
E os pés , para o ir formando á ferra.
Tratá-lo com dureza em fim evita ,
Que a doçura he só ganha com doeu^a,
Debalde modo brando empregarias
C'o touro, que a natura fez indócil,
Atrevido e soberbo ; e se domá-lo
Ao trabalho he possivel, e dobrar-lhe
Ao jugo a cerviz dura, jamais n'elle
O sofFrimenlo e a mansidão se encontrão.
Mal trinta mezes conta , então privado
De procrear, o touro toma o nome,
E o caracter de boi ; então esquece
O soberbo animal o antigo orgulho ,
Esquece a independência; e humilde escravo
He d'aquellè , que ò rege , e de quem firme
O serviço supporta, e soffre o jugo.
CANTO V. i^^
Porem nunca ao trabalho rigoroso ,
Aquelle que dp boi as forças preza,
O sujeita , antes que do leite os dentes
Por novos dentes renovados sejão ;
O que aos Ires annos faz a natureza.
Os anéis, que nos cornos se originSo,
A idade do animal marcão de sorte ^
Que a mão, úlem de três, nos cornos conU<
Pelos anéis o numero dos annos.
Deve reger prudência cautelosa
O trabalho do boi ; deve evitar-Uie
Duras fadigas pela ardente calma;
No estio , aproveitando a madrugada,,
E prendendo-o de novo á tarde ao jugo.
O que habita hum terreno pedregoso ,
O que destina o boi para çs transportes ,
Com vantajem de ferro os pés lhe forra..
Por fins , o boi, era toda a vida ejcravOi,
Sente os effeitos da cruel velhice ;
172 GEORGICAS,
Ditoso se cansado das fadigas
De huma vida de penas , de trabalhos ,
Esp'rando em paz a tarda mão da idade ,
Seus dias acabasse a natureza .'
Mas do homem escravo em quanto vivo ,
Alimento lhe presta alem da morte.
M^^ gyifos doze o sol tem completado ,
Muda-se a sorte ; súbito começa
Hum trato favorável , mas presagio
Do destinado golpe derradeiro.
He levado a abundantes gordos prados;
Já não lhe opprime o collo o forte jugo;
A sêmea, os grãos, os nabos, as raizes
Do tenro rábao, a batata branda,
Co sal, que o appetite lhe desperta,
Se lhe prodigalizão; mas em breve
Toma o animal carne, e a rijos golpes
Por terra cahe ás mãos d'aquelle mesmo ,
Para quem só tivera força e vida.
CANTO V. í;3
Pacifico animal, ricco thesouro
Do activo agricultor, inútil fora
Teus louvores tecer; assaz conhecem
Os donos teus teu preço : as forças tuas ,
Teu soíFredor caracter firme e manso
Mais que outro algum te fazem próprio ao tir©
Da pesada charrua , a cujo corte
OppÕe a terra huma teimosa força ,
Á. cada instante renascente e nova.
Ceres te estima e ama; os bons cultores
Com justos elogios te engrandecem.
Nem deixarei ficar no esquecimento
O passivo serviço , os úteis dotes
Do jumento, do pobre único alivio;
Da mais vasta porção da humanidade,
Que langue na penúria , elle somente
O trabalho e fadiga he quem supporta.
Se com elle a natura foi avara
De graça , de belleza e de elegância ,
i5*
174 GEORGICÁS.
Co' a sobriedade _, c'o vigor , c'o geilo
Com que os máos passos vence, co' a durezq..
Que lhe faz afrontar o sol e as neves ,
Assaz o indemnizou. Como seu dono ,
Condemnadp á penúria e ao trabalho,
O tojo hirsuto, o cardo, as duras folhas ,
As vergonteas das arvores, a relva.
Toda a espécie de grão , todo o legume
Lhe serve de alimento ; longa vida ,
Inda a pezar de hum trato áspero e duro.
Chega o triste a contar. Oh vós cultores,
Que possuis manadas, se quizerdes
Mulos apascentar em vossos campos ,
Por campanheiro o burro dai ás éguas ;
Porem que seja forte, de olhos vivos,
De fixa orelha, de luzente pello,
De mais de três , e menos de dez annos.
NÃo mais , não mais de agrícolas manadas ;
Adeos por huma vez tenazes leivas ;
CANTO V. 175
Adeos forte charrua , bravos touros ,
Ágeis cavallos, vigorosos mulos;
Adeos em fira amados lavradores.
Nas margens de hum regato humilde corto
Flexiveis canas , com que brinca o vento ,
Por entre ellas ligeiro volitando;
Co' a branda cera os varies cauaes uno;
De Pan á imitação , correndo os lábios
Co' a doce frauta, agora ante mim chamo
Das rústicas malhadas os pastores.
Vinde , oh mansos rebanhos, ao meu lado
Saltem sobre a verdura os cordeirinhos ,
De pedra em pedra os cabritinhos saltem.
Balai em torno a mim , mansas ovelhas,
Trincai os ramos ;, cabras roedoras;
E em quanto o Deos capripede me guia
Os accentos e a voz no humilde metro ,
Ah .' vem junto de mim, oh Kize amada ,
Acompanhar c'o teu meu doce canto.
1-6 GEORGICAS.
EscuTAi-ME oh pastores , que nos campos
Guiais gado lanígero; ao terreno
Acommodai as raças; pois que o solo,
Que nutre a espécie menos encorpada ,
Nutrição á maior recusar pode.
Porem qualquer que for das vossas rezes
A grandeza, da lan cuidai attentos ;
D'ella tece o pastor a humilde manta,
E a purpura dos reis se tece d'€lla.
Preza o alvo carneiro, que no vello
Fino e sem mancha a neve pura imita.
Dá-lhe por companheira a branca ovelha ,
E nunca no rebanho teu consente
Das cores variadas a mistura.
Nunca permitte nelle a ovelha annosa,
Nem a que tem symptomas de moléstia.
Mormente se for mal contagioso.
Oh quão hábil convém que o pastor seja
Na practica c no traio do seu gado I
CANTO V. . 177
Das táns conhecer deve a qualidade ,
Quaes para as rezes são os pastos próprios ,
Quaes são do bom carneiro , e boa ovelha
Para dar boa raça os caracteres;
Em que tempo convenha unir os sexos ,
As crias desmamar , e finalmente
Do vello despojar as rezes mansas.
Necessário he também que attento e experto
Distingua os males, que o rebanho opprimem,
D'elles conheça as causas e os remediei.
Se assim não for, em vez de ver vingado,
Verá diminuir-se o seu rebanho ;
Ha-de a morte roubar-lhe as novas crias,
Ha-de as mais extinguir , e pouco e pouco
Definhada verá a espécie toda.
Mas se o pastor exp'rimentado e attento
Segue os conselhos com que a arte o guia ,
Em qualidade e em numero crescendo
Irão de dia em dia as rezes suas.
178 GEORGICAS.
Quando os ventos do sul, que as aguas trazem,
Toldão o ar de nuvens procellosas ,
Quando o ceo, de torrentes abundante,
Inunda os campos , fi submerge os prados ;
Ou sobre a terra as neves amontoa ,
Crestando as folhas das rasteiras plantas.
Do gelador nordeste o bafo iroso ,
Ao pasto os teus rebanhos não conduzas;
Porem de brandos fenos resguardados
No ajprigo dos curraes a ovelha nutre.
Jamais no outono, inverno, ou primavera
Pelo campo orvalhadp a ovelha paste ;
Só correr as campinas lhe permitte ,
Depois que o sol em ondeado fumo
Da fresca aurora dissipara o pranto.
Jamaií? pelas pastagens pantanosas
Os lanigeros gados pascer devem :
Jamais nos vé^Ues húmidos e frios,
Ou á ssmbra do bosque onde não enlrSo
CANTO V. 179
Do sol os raios , que em vapor disslpão
A humidade excessiva do terreno.
Huma herva fina e enxuta , qual se encontra
Nas fecundas planicies elevadas ,
Ou nas brandas encostas das collinas ,
Mais que tudo convém a taes rebanhos.
Mas se no inverno os regelados ventos,
As neves e os orvalhos são nocivos ,
A mansa ovelha , mais nocivo he inda
O bafo abrasador do quente estio ,
Quando raios de fogo dardejando
D'entre os braços do cancro furibundo ,
O sol ardente o cérebro lhe fere,
Fraco em extremo, tenro e delicado.
Por isso, então prudente o pastor cauto
De manhan para o occaso, e pela tarde
Para o nascente o gado seu dirige ;
Mas do dia no meio , frescas sombras
Sob os copados troncos lhe procura.
iSo GEORGICAS.
Oh pastor vigilante, teus cuidados
Redobra, quando lá no fresco outono
A terra descem as primeiras aguas ,
Para que em turvas, podres alagóas
Hum veneno mortal não beba o gado ;
De tempo em tempo então somente o lev»
Aos correntes e límpidos ribeiros ,
Ou crystallinas fontes , onde a ovelha
Possa sem risco algum matar a sede.
Só providencias taes, só taes desvelos
Fazem vingar lanígeros rebanhos.
Porem se o pastor quer que as mansas rezes
Recompensem do trato os seus cuidados.
Cumpre que os indivíduos mais perfeitos
Para a raça formar attento escolha.
Hum carneiro de lan alva e sem mancha
Vigoroso, sadio, de olhos vivos,
De larga fronte, de focinho rombo.
Estreitas curtas ventas, grande ventre,
CAíTrO V. i8i
ILanosa e longa a orelha, como a cauda,
O collo grosso , o corpo alevantado :
A ovelha de bom pello e curtas pernas ,
De longas tetas, larga espadoa e ventre,
De olhar vivo , sadia , e igual na alvura ,
São origens de hum óptimo rebanho ;
Inda melhor, se acaso se concede
Somente a doze ovelhas hum carneiro.
Bem como ellas , de dois ate' oito annos;
O pastor vigilante e cuidadoso
Não permitte que o macho as fêmeas toque
Livremente e sem regra : se pertende
Que huma só vez no anno a ovelha paira
No outono a faz cobrir, desta arte a cria
Á luz virá na tloce primavera ;
E no resto do tempo os seus carneiros
Das ovelhas separa, e traz distantes.
Se porem duas crias quer n'hum anno ,
Depois que huma da mãi já não carece ,
i6
i82 GEORGICAS.
Ao carneiro de novo a ovelha entrega ,
E esta , o Iructo no ventre conservando
Cinco mezes , no outono á luz o mostrai.
O nascido animal por outo dias.
Ao menos, no curral guarda e conserva,
Mormente se nasceo em tempo frio.
Da prenhe ovelha atteutamente cuida ;
Do resto do rebanho á parte a encerra,
Durante a fria noute ,• quanto possas
Do feroz lobo o uivo carniceiro
Ao timido animal ouvir evita ;
D'outra maneira , o susto muitas vezea
Desorganiza o iructo nas entranhas ,
Com a sua da mãi levando a vida.
Benigno acolhe Pan o pastor habií,
O qual, se a ovelha afilho seu não lambe,
A íim de o enchn^ar, de sal o cobrC/
Para que du appetite convidada
CANTO V. i83
O auxilio maternal lhe não recuse;
Se ella o leite lhe nega, ao cordeirinho,
• Inda a pezar da mãi, a teta entrega;
Se leite assaz não tem, lhe augmenta a copia,
Ministrando-lhe a sèmea, ou a cevada,
O nabo, os rábãos nutrientes hervas,
O feno da luzerna , da hera as folhas ,
Temperadas c' o sal , que a ovelha preza.
Qde direi eu agora em teu abono ,
Pastor, que do cordeiro que padece
Minoras o penar, examinando
Donde pro em q mal, paraevitar-lho?
Ao que o frio oífendeo, em quentes panoa
Envolves carinhoso , e junto ao fogo
O alento vital lhe reanimas;
Ao que findos dois mezes, se desmama^
Da mãi não só apartas , mas lhe impedes
Ouvir delia os balidos sau(losos;
A bouis pastos q guias, brandas sêmeas
1 84 GEORGICAS.
Ao principio lhe dás , e os grãos cozidos
Ou na agua , ou no leite saboroso.
E que direi d'aqueHe que os cordeiros
Âos quinze dias castra, excepto os poucos,
Que para raça escolhe ; que as borregas
Priva de conceber, para que dêem.
Como os carneiros , lan e earne boa ,
Castrando-as igualmente ás seis semanas
Depois que ellas tem visto a luz do dia ;
Que no curral suspende o sal em pedras ,
Para que o gado livremente as lamba ,
E o sadio vigor assim conserve ;
Que para tosquiá-lo em fim aguarda
Que na fresca risonha primavera.
Afastando a lan velha, já da nova
Venhão sahindo as pontas não frizadas ;
Que se acaso ferio no corte as rezes ,
Afim de prevenir a sarna e ronha ,
As cura sem tardança? Oli vós pastores,.
CANTO V. i85
Se o lanígero gado assim tratardes ,
Nelle achareis segura recompensa.
Porem tu, que as inquietas duras cabras
Tens a teu cargo , ao pasto, em quanto o fresco
Orvalho sobre as plantas se demora ,
Na manhan as conduze ; a hum tal rebanho
Não só apraz pascer nos largos campos.
Ou nas doces encostas das collinas,
Antes prefere a cabra pendurar-se
Dos elevados cumesTlas montanhas ,
Dos serros, das selvagens penedias,
Das escarpadas rochas , das l)arreiras
Dos fundos horrorosos precipícios;
Desde a mais tenra infância as mais seguindo,
Trepão de pedra em pedra os cabritinhos,
E folgão de escolher entre os rochedos
Os novos rebentões de agrestes plantas ,
As vergonteas mais tenras dos arbustos ;
E das arvores novas o epiderme ;
1 86 GEORGICAS.
Mas impede que o dente seu nocivo
Toque a planta que estimas, cuja morte
As mais das vezes, segue hum tal insulto.
Para tirar-lhe o leite, a cabra ordenha
A noute, e sobre a fresca madrugada;
Porem nunca de sorte, que ao cabrito
Do preciso alimento a copia falte.
Se hum rebanho escolhido ter pertendes,
Boas cabras procura e fortes bodes.
De três annos té sete , ^P^nde corpo ,
Cabeça leve, grosso , forte coUo,
Pendente orelha, coxa reforçada,
A marcha firme, a barba espessa e longa
O bode deve ter ; hum fino pello
Huma garupa larga , hum corpo forte ,
De leite as longas tetas abundantes ,
"Vigor e agilidade a cabra tornão
Para a propagação mais bella e própria;
E se d'esla os filhinhos vigiares ,
CANTO V. 187
Verás multiplicar os teus rebanhos,
E terás nomeada entre os pastores.
Oh tu , que volves com o arado a terra ,
Tu que as arvores tens a teu cuidado,
Tu vinhateiro, e vós em fim pastores,
Adeos por huma vez. He tempo agora,
Que no seio da paz e do socego
A minha Musa e o estro meu descansem.
Em quanto assim cantava ao som da frauta ,
Doce amizade esforços mil fazia
Por lançar-me nos braços do repouso
Por ella , em fim, completos os meus votos,
Consegui acabar singellas rimas
Ao lado do só bem por que anhelava.
Tu pois , que me guiaste a tal ventura ,
Tu , prezado Tudella (42) , se rompendo
A barreira dos séculos, chegarem
Meus versos aos ouvidos dos vindouros;
i88 GEORGICAS.
Se ainda hum dia a Musa venturosa
Me poder franquear da Fama o templo ,
Dentro delle gravar minha mão grata,
Sobre as aras da Deosa, irá teu Nome
Junto ao Nome de Nize , quaes no peito
A amizade e o amor m'os tem gravado.
riM.
NOTAS.
Huna eminente vêm a Cjmosura (i)
pag. 5.
Cynosura , que significa cauda de cão , ou
segundo a etymologia oriental , foco de luZy
he hum dos nomes dados á Ursa menor ,
constellação a mais vizinha do pólo boreal,
e serve aqui de designar o mesmo pólo. Nos
paizes circumpolares a posição da es{jhera
he parallela , isto he , o equador serve de
horizonte, e neste caso, os astros, que no
movimento diurno descrevem circulos paral-
lelos ao equador , e por tanto ao hori-
iQo NOTAS,
zonte de taes paizes , não varlao em altura ;
o sol porem será alli visível metade do anuo ,
e a outra metade occulto ; conforme oceupar
a parte boreal , ou austral da ecliptica , nãq
attendeudo ao eíFeito da refracção,
P ^ustral Xyphias (2) no hemispherio opposto;
pag. 5.
Xyphias , ou Dourada, nome de huma das
ponstellações vizinhas ao pólo austral , des-
criptas por Bayer , serve aqui de designar
O mesmo pólo,
í o signo a Pan no Egypto consagrado (3)
pag. 5.
O Capricórnio , signo consagrado pelos
llgypcios ao Deos Pan, cujo symbolo era hum
bode. Aqui, tanto o Cancro, como o Capri-
córnio, são tomados pelo^ trópicos do mesm<j
nome , que terminaQ a aona tórrida.
KOTAS. 191
E já quando alumia a sacia Themis. (4)
pag. 6.
Os habitantes do equador lemaespliera per-
pendicular, e por conseguinte, o sol no zenilh
nos dois pontos equinoxiaes de Aries, e da
Libra. Os Gregos fabularão ser o Aries celeste
ô do tozão (!e ouro dos Argonautas , e a
Libra, a Balança da virgem da justiça Themis.
É qual iman , volvendo ao norte a flecha , (5)
P«S- 7-
As arvores inclinão a flecha para o nas-
fcentn, por ser o ponto de donde primeiro
se lhes apresenta a luz , agente essencial da
vegetação aci'ia. O cedro do Libano, arvore
inajestosk , que estende horizontalmente as
suas vigorosas e longas braças, he daquella
lei geral a única excepção couheclda , pois
que a sua flecha se dirige sem!)re para o norte;
phenomeno , cuja Causa a analjse chymica , e
as experiências da physica vegetal não pode-
rão ainda descobrir.
192 NOTAS.
Das Hyades chorosas , (6) que da frente
Hyades , nome de humã pequena con-
Stellação , que forma a cabeça do Taurus :
todos sabem ique os poetas fabularão , qué
estas filhas de Atlas e de Etheria forão trans-
formadas em astros pelos Deoses, condoídos
dos prantos , que ellas derramavão continua-
mente pela morte de seu Irmão Hyas. Horácio
disse : et tristes Hyades....:
A celeste Balança (7): a calma ardente
pag. 12.
Chega o sol á Balança , ou Libra, -^o signo
da ecliptica, em 28 de septembro; começa
b outono com o equinoxio.
O fogoso Oiião (8) c'o braço ingente,
pag. i5.
t)riãô> ou Urion^ grande constellação nieri-
NOTAS. igS
tlional, visível nas uoutes do inverno princi-
palmente.
O amargo tremoço, a fusiíorme (9)
pag. i5.
Chamão-se raízes fusíformes as que tem
a figura de hum fuso , como a cenoura , o
rabão , etc.
Seus tuberosos pomos (10) a batata;
pag. 17.
Chamão-se tuberas certos corpos carnudos,
farínhosos, de qualquer figura que sejão, que
arrancados, e ate' ás vezes cortados em pedaços,
são capazes de continuar a sua espécie; com-
tanto, que em cada pedaço exista hum olho,
pois que elle contêm todos os elementos de
germinação de huma nova planta. Raízes tu-
berosas são as que constão de huma ou maíâ
tuberas.
Ou o onobrychis próprio á terra ingrata, (n)
pag. 17.
O onobrychis ( sainfoin commiin dos Éran-
17
194 íiOTAá.
cezes; hedjsarum onobrychis dos botânicos )
he entre as plantas da família leguminosa adop-
tadas para prados artificiaes, a que parece mais
útil, e de mais extensa applicação para este
fim nas diíFerenteá provincias de Portugal.
i». Porque, sendo indigena na Europa
meridional, e nella originaria das montanhas
calcarias, facilmente pode prosperar com a
cultura no clima d'este reino.
2^. Porque , exigindo as plantas de prado arti-
ficial, taes como a luzerna, o trevo, etc, terreno
plano, profundo , pouco compacto e fresco ,
o onobrychis prospera nas terras mais seccas,
elevadas , pedregosas , e até nas areentas ,
principalmente se na composição delias entra
substancia calcrria , a qual se encontra quasí
geralmente nos terrenos de Portugal.
3®. Porque, o onobrjchis, tanto na semen-
teira, como nos amanhos para as suas colheitas
annuaes , exige menos trabalho e menos adubo
do que as dittas plantas; he com tudo mui útil
semeá-lo em terra profundamente lavrada ,
e ainda melhor se nella tem precedido cul-
turas taes como a do milho , da batata , etc. ,
cujos amanhos dividem a terra , e extinguem
NOTAS. 193
nella as hervas nocivas : huma e outra cousa
he conveniente para que , no primeiro e se-
gundo anno, ganhem vigor as raizes desta
planta , as quaes , em tal caso , profundão
perpendicularmente até dez palmos e mais ,
de que provêm o vingar o onobrjchis nos
terrenos ingratos e áridos , pois que pode ,
pelas suas raizes , procurar em grande pro-
fundidade os suecos necessários ávegçtação.
4". Porque , ainda que a luzerna ou o
trevo produzem maior quantidade de herva ,
a do onobrychis , que fornece nos paizes
meridionaes três ou quatro abundantes cortes
em cada anuo, ou seja dada em verde , ou em
feno, he mais substancial, e conserva os gados
mais vigorosos e menos expostos a moléstias.
5o. Porque, o onobrychis, que dura em
prado de 10 ate i5 annos, pela deccmpo-
sição das suas abundantes raizes , melhora
consideravelmente o terreno , para nelle se
praticar a cultura das cereaes.
Tanto os Inglezes, como os Francezes tem
conhecido as vantajens da cultura desta
planta, e por isso huns e outros, ha annos
a esta parte , tem multiplicado muito os prados
196 NOTAS,
delia. He digno de se notar , e de servir
de exemplo o que tem acontecido na parte
da Champagne denominada , pela esterilidade
do seu terreno, Champagne pouilleuse; esta
porção daquella provincia era, ha menos de
quarenta annos , o districto mais miserável de
França ; os seus gados poucos e enfezados ,
as suas arvores raras e mesquinhas , e as co-
lheitas das cereaes nunca supprião ao sustento
annual dos seus então infelizes habitantes,
os quaes com a introducção dos prados do
onobrychis , tem feito desapparecer o aspecto
indigente daquelle paiz , aonde com este
meio, nelle actualmente mui generalizado,
as terras produzem abundantes colheitas de
cereaes , crião arvores perfeitas , e sustentão
gados vigorosos.
Musa , ao agricultor , da marga (12) o uso
pag. 21.
A marga he hum composto de carbonate
de cal , e de alumina , ou argila pura ; porem
(i proporção dos dois principios , que a con-
NOTAS. 197
stituem^ varia ao infinito, e he esta variedade
que produz as diíFerentes espécies de mar-
gas, próprias para adubar os diversos ter-
renos. As margas são quasi todas coradas
pelo ferro , e parecem provir da decompo-
sição dos mixtos naturaes de cre e argila,
contendo todas mais ou menos silicia.
E vai da libra ao furibundo. Scorpio : (i3)
pag. 34.
O Scorpião he liuma constellação , que
fica aos pés do Serpentário . dedicada a
Esculápio de Epidauro , e que o representa
tendo nas mãos huma serpente. He também
chamado Scorpião o oulavo signo da ecHp-
tica; e ainda que hoje esta outava divisão
do gyro solar não corresponde já á con-
stellação do Scorpião , com tudo , como con-
serva o nome antigo , aqui o texto applica ao
signo a posição e caracteres da constel-
ação.
■7*'
1 98 NOTAS.
Ocyroc (14) cobre os grãos co'a terra solta,
pag. 54.
Ocyroe , filha do centauro Cliiron , e de
Charillo , pretendendo conhecer o futuro, foi
convertida em egoa.
Já o estanae (i5) ao pistillo fecundado
pag. 4i.
Os órgãos sexuaes das plantas dividem-se
cm estames,e pistillos ; a funcçãodosestames,
ou órgãos masculinos, he fecundar com o pó,
que contêm nas chamadas antheras, os ór-
gãos femininos, ou pistillos ; findo isto, está
completo o fim da florescência : os estauies
e a coroUa , isto he , o tegumento dos órgãos
sexuaes immediatamente contíguo a elles ,
murchão , e deperecem.
E liuma aura impura (16) próvidas embebem;
pag- 59.
Os vegetaes tem a propridade de exhalar
NOTAS. 199
de si , quando estão expostos á luz , p. oxy-
geneo , ou ar vital , e pelo contrario a de
decompor o gaz acido carbónico , gaz im-
próprio á combustão e respiração.
E com o próprio unguento (17) humedecido
pag. 78.
O unguento a que os Francezes chamãa
de S.Fiacre, patrono dos pomareiros , he hum
composto de argila e bosta de boi , e cos-
tumão misturar-lhe palha miúda para o tornar
menos fácil em fender-se ; com elle cobrem
as feridas feitas nos troncos , e ramos , até
que as tenha coberto a producção da casca.
A branca alface, o nabo turbinado, (18)
pag. ^8.
Diz-se a raiz turbinada , quando he cónica
verticalmente , ou se assemelha a hum pião
bailando.
300 NOTAS.
O morango estolhoso (19) alli floresce;
pag. 80.
Chama-se tronco estolhoso , aquelle que
sahindo da primeira raiz , lança em mais
ou menos distancia , novas raízes na terra ,
e neste lugar brota dois, ou mais estolhos,
isto he , troncos herbáceos , quasi nus de
folhas , e sem juntas.
A reptante (20) bortelan , a segurelha,
pag. 80.
Diz-se a raiz reptante , ou serpejantc ,
quando he horizontal , e se estende , lançando,
radiculas em varias distancias.
De nutrientes capillares (21) ténues:
pag. 87.
Da-se aqui o nome de capillares ás radi-
culas mais íinas , que lanção de si os ramos
da principal raiz.
NOTAS. 20 1
O caule (t^i) poupa, e inserindo nelle
pag. 88.
O caule he huma espécie de tronco , as
mais das vezes guarnecido de folhas, que
sustenta huma fructificação nem musgosa ,
nem graminea, nem análoga á dos grames;
pode ser herbáceo , como o da alface , e le-
nhoso , como o da oliveira.
Das aves a li jao (aS) , em largas dornas
pag. 88.
Transcrevo aqui o que se acha publicado no
30 tom. part. II, pag. 3o e 3i dosAnnaes
das Sciencias, das Artes e das Letras, por
me parecer a mais útil explicação , que posso
apresentar a respeito do assumpto da pre-
sente nota.
« O desenvolvimento da germinação hc
» difficil nos caroços das azeitonas, não só
» pela dureza da sua casca , mas também
" pela parte oleosa , que entra na corapo-
202 NOTAS.
» slção delia ; ambas estas círcumstancias
» ohstão á fácil introducção do calor e da
» humidade, que devem concorrer no inte-
» rior da semente, como agentes indispen-
» sáveis daquella operação da natureza.
» A experiência tem mostrado constante-
» mente ; lO que nos sitios abundantes de
» caroços de azeitona, por exemplo, na pro-
V ximidade dos lagares de azeite, e até nos
» olivaes cultivados, nào se vêem nascer zam-
» bujeiros ; 2° que nos matos frequentados
» por animaes costumados a comer azei-
» tonas , e principalmente pertencendo á
» classe dos ruminantes , por exemplo , as
» cabras, e nos sitios e valiados, em que as
» aves que se nutrem com azeitona, costumão
y> pousar , se encontrão frequentes zambu-
» jeiros. Em consequência, os animaes e as
» aves são os únicos semeadores desta arvore ,
» os quaes , tendo pelo calor e humidade dos
» seus intestinos ; diminuido os obstáculos
» acima referidos , lanção a semente dis-
» posta para entrar em germinação. Imi-
» tando o que acontece nas aves e nos ani-
»> mães , podemos conseguir hum fácil nas-
NOTAS. 2o3
» cimento de zambujeiros , e formar viveiros
V regulares desta preciosa arvore. »
Para apoio do que fica transcripto , acres-
centarei que , percorrendo e observando
em diversas estações vários sitios de matos
e de vallados silvestres no termo de San-
tarém e nas vizinhanças do Zêzere, tenho
nelles encontrado muitos zambujeiros novos ,
e alguns recem-nascidos , ao mesmo tempo
que não descobri em laes sitios zambu-
jeiros com fructo , ou semente , e em alguns
dos mesmos sitios não vi hum só zambujeiro,
que segundo a tardia fructificação desta
arvore , estivesse em idade de produzir
sementes; ou porque os cultivadores apro-
veifão louvai elmente oS zamliujeiros para en-
xertia e plantação, logo que chegão á gran-
deza conveniente para semelhante destino,
segundo as circumstancias da nossa actual
agricultura; ou porque os povos os cortão,
com damno da mais vantajosa cultura da
oliveira , e os destinão para lenha , e para
outros usos ainda mais reprehensiveis, qual
he o dos cajados da gente do campo.
Por tudo o que fica transcripto e exposto.
2o4 NOTAS,
parece-me qúé os pássaros e os animaes sao os
únicos semeadores dos zambujeiros que se
encontrão nos matos e vallados.
Tem lançado raiz. Hum tronco herbáceo (2.^)
pag- 94-
Herbáceo he propriamente o tronco de con-
(Sistencia não lenhosa , e que perece an-
nualmente ; porem aqui se applica o termo
herbáceo á consistência tenra da nova oliveira,
Alli existe o oxygcneo puro^ ('26)
pag- 99-
O oxygeneo he o ar respirável, e próprio
á combustão, e que, unido ao azote na pro-
porção de 21 para 79, forma o ar atmos"
pherico em que vivemos.
Alli o nitrogeneo azote (26) impuro
pag- 99-
O nitrogeneo , ou azote, he hum gàz im-
próprio á combustão e respiração.
WOTAS. 5o5
O carbónico ar (27) nocivo habita ,
pag. 100.
O gaz acido carbónico he hum gaz com-
posto de carbone , ou carvão puro , e de
oxygeneo; este gazhe impróprio á combustão
e respiração , e he hum activo veneno para
os animaes expostos á sua atmosphera.
E o ligeiro hydrogeneo (28) ao alto sobe.
pag. 100.
O hydrogeneo he hum gaz assim cha-
mado , porque a sua combustão com o oxy-
geneo produz a agua , de que estes dois
gazes são os princípios componentes ; este
gaz , o mais leve de todos , he impróprio á
respiração e combustão ; posto que não seja
hum veneno , como o acido carbónico.
E o calórico, agente da natura (29)»
pag. 100.
Os chymicos modernos tem reconhecido
18
2o6 NÒTAâ.
ser o calor , ou calórico , hum fluido , ao quaí ,
alem de muitos outros phenomeiios , se deve
o estado fluido e gazoso das diversas sub-
stancias , e a volatilização e dilatação de
todas ; razão pela qual aqui se chama agente
da natureza.
Calyces, (3o) e corollas de mil cores,
pag. io5.
O calyx na maior parte das flores , lie 6
tegumento externo dos órgãos sexuaes , de
Cor verde , oií menoâ corado que a corolía.
Mil parasitas (3i) vão roubando as bradas;
pag. III.
plantas parasitas são aquellas, cuja raiz eslá
apegada ao tronco, ou pernadas, de outro ve-
getal, e que tirão delle os suecos, com os
quaes vegctão , e por isso são noci' as á*
plantas a que se unem ^ ou em que nascem.
NOTAS. 207
O óleo, ainda nas drupas (32) , contamina,
pag. 116.
O fructo ( botanicamente fallando ) he hu-
Tna , ou mais sementes fecundadas , e nu-
tridas sobre o seu receptáculo, até perfeito
estado de madureza. O tegumento d'estras
he o que os botânicos chaiiião pericarpo ; a
drupa he huma espécie de pericarpo sem
válvulas , nem suturas , carnudo , de casca-
coriacea , e contém no centro huma noz ,
ou caroço.
Conserva do zenith e do horizonte, (33)
pag. 122.
Novamente se toma aqui a Cynosura pelo
pólo , e como a altura d' este Sobre o hori-
zonte de hum lugar he igual á latitudç do
mesmo lugar , vem os últimos versos a
designar os paizes comprehendidos entre o
parallelo do 25®, e o do 4^^ , lat^ude media
entre zero e noventa.
2o8 NOTAS.
Sobre os longos sarmentos (Sj) já dispostos,
pag. 129.
Sarmentos são varas nodosas , as quaes to-
cando na terra, ou em corpos vizinhos , nelles
se arraigão pelas suas juntas ; e neste lugar
significão propriamente as varas da videira.
Do ardente alcohol (35) , que por activo
pag. i3o.
A distillação da agua ardente por hum
calor brando , produz huma substancia muito
inflamraavel e muito volátil , que se chama
espirito de vinho , ou alcohol ; a formação
deste he devida á decomposição do principio
assucarado contido no mosto, e tanto mais
abundante , quanto o he este principio.
A sabida do gaz forte e assassino f (36)
pag. 144.
O gaz acido carbónico he hum dos pro-
NOTAS. 2o<)
duetos de qualquer das três fermentações,
viuosa , acetosa , pútrida.
Que na pelle reside, (37) o calor forte,
pag. 144.
O principio colorante dos vinhos he de
natureza resinosa , e contido na pellicula
do bago^ razão pela qual os vinhos, só depois
de feitos , se corão ; por isso que só então
está formado o alcohol , substancia própria
para dissolver e extrahir da pellicula o prin-
cipio colorante resinoso.
Que na pelle reside , o calor forte, (38)
p^g. 144.
Hum dos phenomenos , que acompanhão
a fermentação vinosa, he a producção de
calor , que ás vezes chega ao decimo outavo
gráo ( do therraometro de Re'aumur). Esta
producção de calor he devida á fixação do ar.
aio NOTAS.
cujo contacto he indispensável á fermen-
tacão.
D'aí'finidade ás leis obedecendo , (09)
pag. 44.
Chama-se affinidade aquella força , que
sem cessar, tende a reunir os princípios sepa-
rados; e cohesão, a que tende a conservar no
estado de combinação , ou união , os que
se achão combinados ^ ou unidos.
E no fundo tenaz se precipita; (40)
pag. 145.
O tártaro he hum sal, que se precipita
pela fermentação vinosa , nas paredes e
fundo das cubas e toneis. Varias expe-
riências tem mostrado que o tártaro existe
formado na uva , e em outras substancias
vegetaes , e parece obrar como fermento
na fermentação , onde a sua presença he
essencial, visto que o mosto, inteiramente
despojado do tártaro , não fermenta.
NOTAS. a 1 1
Resinoso, que a còr do vinho encerra. (4i)
pag. 145.
A côr dos vinhos, como já se disse, he
devida á dissolução no alcohol do principio
coloraute e resinoso , contido na pelle do
bago.
Tu, prezado Tudella (42), se rompendo
pag. 187.
O Sni". Fernando Tudella de Castilho, Fi-
dalgo da Casa Real , residente na villa do
Fundão , e meu prezado amigo e bemfeitor.
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